Monday, December 28, 2009
Tuesday, December 15, 2009
Emanuel
As mãos que tens, que bem podem fazer? E quanto mal já fizeram?
Levanta os olhos do chão. 17 anos não foram feitos para se contarem os passos, mas para olhar em frente e começar a correr.
Quantos dias contaste por detrás desses muros (centro educativo uma treta, prisão!) Quantas vezes viste fugir o sol e quantas pediste para não voltar a vê-lo?
Consegues ouvir a vida cá fora, os carros nas veias da cidade, um coágulo de vez em quando, filas intermináveis, que aborrecimento, as pessoas de mão no volante, a outra a sintonizar o rádio, gente de vida fácil, sem portas blindadas, sem fechaduras, sem arame farpado, sem guardas e armas e perguntas sem resposta.
O que queres ser, quando tirares os olhos do chão?
Saturday, December 12, 2009
Não - A - Gripe
Hoje, que sou grande, os vírus continuam à distância, mesmo os pandémicos. Tudo isto para dizer que estou com gripe. Mas, como não é gripe A, não tenho direito a estar em casa durante 7 dias, no sofá, a ver desenhos animados. E, à excepção do dia de hoje, que acordei (outra vez) afónica e com febre e me dei ao luxo de não ir dobrar camisolas, lá tenho eu que saltar da cama, tomar pastilhas que não chegam aos calcanhares do xarope de cenoura e ir para o trabalho. Triste vida a minha!
Tuesday, December 8, 2009
No final, o Amor
Mas há algo que não muda e que é real como uma pedra: no final, resta sempre (e só) o Amor.
Tuesday, November 17, 2009
Paisagem
Havia velhos e velhas, muitas velhas, todas iguais como são as serranas, de cabelos curtos, oleosos, as mãos encardidas do trabalho de muitos anos, adornadas com a pulseira do reumático. Quase dá para lhes adivinhar toalhas de plástico a imitar renda holandesa em mesas redondas e não me surpreenderia se tivessem trazido cães de loiça pela trela. Via-se logo que ali estavam por causa do terreno de algum vizinho: são velhos como os caminhos, nasceram no tempo dos marcos de pedra e dos castanheiros pequenos. Nesses tempos, resolvia-se a querela com bengaladas ou uma foice na cabeça. Não havia paciência para esperas intermináveis que acabam em adiamentos.
Entre eles estava um homem alto, corpulento. Dizer que a barriga é proeminente é pouco: e sobre a barriga redonda, em azul e vermelho, um losango gigante em malha, cruzado a meio por duas linhas amarelas, a marcar o centro do alvo. E eu a olhar para ele a apetecer-me um arco e uma flecha para treino de pontaria.
Do lado oposto, dois adolescentes namorados, com cara de quem tem a idade dos caminhos e dos marcos de pedra e dos castanheiros. Ela é baixa mas espalhafatosamente gorda, usa calças dos bombeiros, com tiras reflectoras, e uma camisola comida da traça. Ele é um franguito com aspirações a grande motard, um James Dean dos montes, raquítico, o cabelo todo puxado para trás à força de gel, uma barbita rala e uma única sobrancelha sobre os olhos piscos. Ao lado senta-se uma figura metade mulher, metade porco: pergunto-me como terá conseguido meter uns pés tão gordos nuns sapatos tão pequenos.
Mas a personagem central é o Ilustre Colega, Ex.mo Sr. Dr. Forcado. Baixito, quase atarracado, estica quanto pode o pouco pescoço que tem, semi-cerra os olhos como se focasse a imagem do touro na outra ponta da arena. Barriga para dentro, peito para fora, ombros para trás, mãos na anca "Eh touro lindo!"
Ridículos, feios, pobres, genuínos. Reais.
Friday, November 13, 2009
Graciosa
Sacode os cabelos, de vez em quando, imaginando caracóis ruivos de salão de cabeleireiro, os gestos de primeira bailarina no palco do consultório, e conta...
Apetece-me dar-lhe alguma coisa, dona Graciosa: um anel de brilhantes, uma coroa de rainha, um sonho qualquer. Dar-lhe talvez as minhas mãos. Tome, fique com elas, guarde-as no áspero aconchego das suas. E não seremos sozinhas.
Monday, November 9, 2009
Esclareça-me, tia
Ora, eu nasci e vivo nas Beiras e não faço ideia de como é que as coisas funcionam na Linha, mas na minha terra dois jovens recém casados tratam-se por tu. "Partilhar o dia-a-dia consigo é um privilégio" seria frase que eu usaria para dar graxa a um chefe e não para me dirigir a alguém com quem partilho o copo da escova de dentes.
A tia, que nunca se manifestou, mas que eu acredito que lê este blog, diga-me: na cama, este tipo de marido dirá "Querida, desculpe, importa-se que eu profira um palavrão?" ou "Pegue-me no croquete."?
Entretanto estou a lembrar-me de muitos outros trocadilhos do género... :D
Saturday, November 7, 2009
A felicidade vem da burrice?
Tuesday, November 3, 2009
Silogismo ligeiramente eufemístico
Monday, November 2, 2009
Thursday, October 29, 2009
Chieko
Tuesday, October 27, 2009
Algo está muito mal...
Monday, October 26, 2009
Wednesday, October 21, 2009
Wednesday, October 14, 2009
não-prodígio
Wednesday, October 7, 2009
glossário
Saturday, October 3, 2009
Thursday, October 1, 2009
Wednesday, September 30, 2009
Como de facto passou. Instantes depois Guida recuava um passo e ia sentar-se no chão, quebrada, numa grande fadiga. Procurou um cigarro, tremia dos pés à cabeça."
O Anjo Ancorado, José Cardoso Pires
Thursday, September 24, 2009
Wednesday, September 23, 2009
domingo de eleições
Friday, September 18, 2009
Da ressaca
Helena Abreu
Monday, September 14, 2009
eufemismos
Friday, September 11, 2009
Saturday, September 5, 2009
Pequeno bilhete aberto ao Barroso
Sunday, August 30, 2009
Monday, August 17, 2009
Friday, August 14, 2009
Época de caça
Sunday, August 9, 2009
selva
Tuesday, August 4, 2009
Apetece-me ser fútil
Wednesday, July 29, 2009
Saturday, July 25, 2009
Back to terrinha...
Friday, July 17, 2009
Desculpem lá, mas...
Wednesday, July 15, 2009
SALDOS - SALES - REBAJAS
Obrigado e boas compras.
Ass: Auto-nomeada porta voz dos funcionários das lojas de roupa.
Tuesday, July 14, 2009
Thursday, July 9, 2009
Auto-elogio
Wednesday, July 1, 2009
Monday, June 29, 2009
Wednesday, June 24, 2009
Mundo louco
Sunday, June 21, 2009
Os amores impossíveis II ou autopsicanálise
Friday, June 19, 2009
Os amores impossíveis
De pequenino...
Thursday, June 18, 2009
Ecce homo
Um que nos satisfaça ou justifique.
Desbaratamos esperança, imaginando
Uma causa maior que nos explique.
Pensando nos secamos e perdemos
Esta força selvagem e secreta,
Esta semente agreste que trazemos
E gera heróis e homens e poetas.
Pois Deuses somos nós. Deuses do fogo
Malhando-nos a carne, até que em brasa
Nossos sexos furiosos se confundam,
Nossos corpos pensantes se entrelacem
E sangue, raiva, desespero ou asa,
Os filhos que tivermos forem nossos.
José Carlos Ary dos Santos
Wednesday, June 17, 2009
Wednesday, June 10, 2009
desejo
Brassai
Tuesday, June 9, 2009
Monday, June 8, 2009
Wednesday, June 3, 2009
Nome
escrito, rasgado ou desenhado:
na areia, no papel, na casca de
uma árvore, na pele de um muro,
no ar que atravessar de repente
a tua voz, na terra apodrecida
sobre o meu corpo – é teu,
para sempre, o meu nome.
Maria do Rosário Pedreira
Wednesday, May 27, 2009
I rise...
You may write me down in history
With your bitter, twisted lies,
You may trod me in the very dirt
But still, like dust, I'll rise.
Does my sassiness upset you?
Why are you beset with gloom?
'Cause I walk like I've got oil wells
Pumping in my living room.
Just like moons and like suns,
With the certainty of tides,
Just like hopes springing high,
Still I'll rise.
Did you want to see me broken?
Bowed head and lowered eyes?
Shoulders falling down like teardrops.
Weakened by my soulful cries.
Does my haughtiness offend you?
Don't you take it awful hard
'Cause I laugh like I've got gold mines
Diggin' in my own back yard.
You may shoot me with your words,
You may cut me with your eyes,
You may kill me with your hatefulness,
But still, like air, I'll rise.
Does my sexiness upset you?
Does it come as a surprise
That I dance like I've got diamonds
At the meeting of my thighs?
Out of the huts of history's shame
I rise
Up from a past that's rooted in pain
I rise
I'm a black ocean, leaping and wide,
Welling and swelling I bear in the tide.
Leaving behind nights of terror and fear
I rise
Into a daybreak that's wondrously clear
I rise
Bringing the gifts that my ancestors gave,
I am the dream and the hope of the slave.
I rise
I rise
I rise.
Maya Angelou
Monday, May 25, 2009
Direito de Resposta
Friday, May 22, 2009
Sobre o clube das virgens
A vocação consentida
Vergílio Ferreira, Para Sempre
Ontem, na Almedina, Isabel Cristina Rodrigues falava da vocação consentida de Vergílio e a profunda ligação que parece existir entre a sua escrita e a expressão plástica. Vergílio teria preferido ser pintor. Para mim, foi-o. Pintor sem tintas, sem pincéis. Como tela, a folha em branco. Como tema o "impintável".
Trg no tlmvl
Torga em sms? Um verdadeiro atentado.
Thursday, May 21, 2009
Wednesday, May 20, 2009
...
Isabel Cristina Pires, O nome do poeta
ou de se gritar que se está só, diria eu.
Friday, May 15, 2009
Este blog não é uma democracia
O vencedor da sondagem "Quem gostarias que te tratasse da saúde?" foi o Dr. Sloan, da série Grey's Anatomy.
Podia até não explicar porque decidi que o desempate entre ele e o House fosse neste sentido, mas acho que não perco assim tanto tempo a fazê-lo: O Sloan ganhou PORQUE SIM.
Obrigado a todos os que participaram. Especialmente...
...à Tininha, que deu um voto ao pobrezinho do Shepherd;
...à Lena, que votou duas vezes, para que o Sloan pudesse empatar com o House e eu pudesse desempatá-los conforme acima descrito.
Tuesday, May 12, 2009
Porque às vezes me apetece ser uma pessoa séria
Monday, May 11, 2009
Conversa da mesa do lado
Atrais-me tanto... Não sei o que tens.
E então ela disse-lhe:
E se te deixasses de conversa e me fodesses de uma vez?
Friday, May 8, 2009
As galinhas das vizinhas
Tuesday, May 5, 2009
The sorrow of love
The quarrel of the sparrows in the eaves,
The full round moon and the star-laden sky,
And the loud song of the ever-singing leaves,
Had hid away earth's old and weary cry.
And then you came with those red mournful lips,
And with you came the whole of the world's tears,
And all the sorrows of her labouring ships,
And all the burden of her myriad years.
And now the sparrows warring in the eaves,
The curd-pale moon, the white stars in the sky,
And the loud chaunting of the unquiet leaves
Are shaken with earth's old and weary cry.
W. B. Yeats
Friday, May 1, 2009
Pensamento du jour
Thursday, April 23, 2009
Grrrrr
Never give all the heart
Never give all the heart, for love
Will hardly seem worth thinking of
To passionate women if it seem
Certain, and they never dream
That it fades out from kiss to kiss;
For everything that's lovely is
But a brief, dreamy, kind delight.
O never give the heart outright,
For they, for all smooth lips can say,
Have given their hearts up to the play.
And who could play it well enough
If deaf and dumb and blind with love?
He that made this knows all the cost,
For he gave all his heart and lost.
William Butler Yeats
Tuesday, April 21, 2009
Despedida
Friday, April 17, 2009
Tuesday, April 14, 2009
(ainda) sem título
Não devia nunca ter-se encontrado com ela nesse dia. Não devia ter-lhe prometido nada. Provavelmente, já deveria ter-lhe dito (não sem certa pena) acabou. Não dá mais. Mudámos, não sinto o mesmo por ti. Vamos parar por aqui. Não disse. Porque ela era como uma plataforma de segurança. Um ninho onde se regressa ao final do dia. Tinha um equilíbrio mental invejável, que de alguma forma se lhe transmitia e lhe servia de referência. A constância resignada do seu amor era um bálsamo de que ele não queria abdicar. E, ao mesmo tempo, ele sabia que poderia deixá-la quase sem um estremecimento, se assim decidisse.
Sai! Repetiu a mulher. Porque assim que ele se aproximou, a porta de casa ainda aberta atrás das suas costas, ela sentira o cheiro do quarto, da cama, dos braços da mulher onde estivera momentos antes. Não lhe apetecia chorar. Sou um cão, pensou. E envelheceu 40 anos.
Friday, April 10, 2009
selva
aranhas imóveis sobre a colcha
prontas a saltar
sobre o meu corpo contorcido
enredado na seda aço do desejo
_ a negra sombra do teu olhar.
Saturday, April 4, 2009
Marx substitui Maya no programa da Fátima
Friday, April 3, 2009
post escrito enquanto espero
Thursday, April 2, 2009
Quantos barcos faltam?
Puseram-se a contar pelos dedos os barcos
que faltariam para chegar o verão.
Nenhum deles falava. Tinham passado juntos
algumas noites, num quarto sem vista. E, embora
julgassem o contrário, não conheciam um do outro
muito mais do que isso.
Estavam ali sentados para ver se acontecia alguma coisa.
No verão
alguém viria forçosamente buscá-los.
Maria do Rosário Pedreira, A casa e o cheiro dos livros
Thursday, March 26, 2009
Tuesday, March 24, 2009
Thursday, March 19, 2009
Tenho a comunicar que estou um bocado chateada
Mas, concordando ou não, as alterações vêm aí. E se eu acho que todos os que não concordam com o casamento homossexual têm que se calar e habituar-se à ideia, porque ele vai acontecer, devo ser minimamente coerente e obrigar-me a mim mesma a lidar com o acordo ortográfico, mesmo não concordando. Vai daí, fui ver como tenho que começar a escrever e descobri mais mudanças do que estava à espera. Se há algumas que não passam de uma ervilha debaixo de sete colchões (como escrever as estações do ano com letra minúscula), há outras que me deslocam o pâncreas (e estou a ser eufemística):
- O desaparecimento das consoantes mudas. Elas até podem ser mudas e eu sou uma leiga nestas coisas, mas quando a palavra afectivo passar a escrever-se afetivo eu NÃO PRONUNCIO O "E" DA MESMA MANEIRA!!! Na primeira pronuncio aberto e na segunda fechado. O mesmo acontece com factura, que passa a ser fatura. E que dizer do tecto? Passará a ser teto. Assim: "têto". Parece-me que isto pode ter implicações engraçadas... não sei.
- A supressão dos assentos em palavras paroxítonas ou graves com o ditongo "oi": a palavra bóia, passa a boia. Para mim, a boia é a mulher do boi. Ou será do bói? Da mesma forma, asteroide, heroico e joia. Tudo "jôia"!
- Atente-se na queda dos acentos das seguintes palavras:
dêem .... deem
lêem ..... leem
pára ..... para
pêlo ...... pelo
pêra ..... pera
pólo ...... polo
Sou só eu que sou estúpida, ou as da direita não se lêem da mesma forma que as da esquerda?
Alguém se importa de me esclarecer? Vá lá... ensinar os ignorantes é uma obra de caridade. E a mim têm tanto a ensinar-me que rapidamente ganharão o céu.
Dia do Pai
Wednesday, March 18, 2009
Redacção: A Primavera
Sunday, March 15, 2009
Escre(ver-me)
sou
apenas um tradutor de silêncios
a vida
tatuou-me nos olhos
janelas
em que me transcrevo e apago
sou
um soldado
que se apaixona
pelo inimigo que vai matar
Mia Couto
Thursday, March 12, 2009
Sobre o post anterior
Não comento.
Sunday, March 8, 2009
Os nossos filhos
Agora pensem que o dinheiro que os países europeus (sobretudo a Espanha) gastam tentando impedir que essa gente consiga atravessar a linha invisível da fronteira e em repatriamentos é suficiente para levar condições de vida e saúde a toda a África... Injusto, não é?
A nós não nos importa que para lá do Mediterrâneo, no grande continente africano, morram à fome e sem acesso aos mais elementares cuidados de saúde pessoas que são filhos, mães, pais, irmãos de alguém. Só torcemos vagamente o nariz quando os cadáveres vêm nas ondas, bater à nossa porta.
Saturday, March 7, 2009
Tuesday, March 3, 2009
O pincel
Dra. B.: Quer trabalho? Mas ainda não fez o que eu lhe pedi antes do Natal...
Marta: Qual?! (oh-grande-merda!)
Dra. B.: O cálculo das horas extra do sr. fulano, lembra-se?
Marta: Ah... Nunca mais me lembrei... (Só tive pesadelos com números durante duas semanas)
Dra. B.: Pois, ele ainda aí está à sua espera. Portanto, mãos à obra.
E lá vim eu, de rabinho entre as pernas, com a calculadora da loja dos chineses em punho, ver quanto é que aquela gente deve ao homem. Folhas e folhas de registos de horas de entrada e horas de saída. Cada vez que faço as contas, para confirmar, dá-me um número diferente. Se eu fosse menos básica a matemática, talvez inventasse um equação ou algo assim para resolver isto mais depressa.
Só me apetece ganir.
Wednesday, February 25, 2009
Fim
No início, foi muito muito bom estar aqui sem nada para fazer, rodeada de silêncio, com a serra emoldurada na minha janela, livros e mais livros para ler, um sofá, uma lareira e uma manta. E a família, pois claro. E a boa comidinha. Mas tudo o que é demais enjoa, e o sossego passou a tédio, e a Dra. B. deve pensar que morri, porque não dou notícias há meses.
Portanto, segunda-feira lá estarei, fresca e fofa, para me apresentar ao trabalho, procurar outro part-time (as advogadas estagiárias também comem) e matar saudades dos autocarros dos SMTUC. E por causa disso estou numa ansiedade estúpida, simplesmente porque tudo o que implica mudança, ainda que seja para algo mais-que-conhecido, me deixa ansiosa. Entretanto, vou ali meter umas tralhas em caixotes para levar e já volto.
Tuesday, February 24, 2009
Hã???
Thursday, February 19, 2009
Tens um cigarro?
Monday, February 16, 2009
Sunday, February 15, 2009
Tuesday, February 10, 2009
Esta manhã encontrei o teu nome nos meus sonhos
e o teu perfume a transpirar na minha pele. E o corpo
doeu-me onde antes os teus dedos foram aves
de verão e a tua boca deixou um rasto de canções.
No abrigo da noite, soubeste ser o vento na minha
camisola; e eu despi-a para ti, a dar-te um coração
que era o resto da vida - como um peixe respira
na rede mais exausta. Nem mesmo à despedida
foram os gestos contundentes: tudo o que vem de ti
é um poema. Contudo, ao acordar, a solidão sulcara
um vale nos cobertores e o meu corpo era de novo
um trilho abandonado na paisagem. Sentei-me na cama
e repeti devagar o teu nome, o nome dos meus sonhos;
mas as sílabas caíam no fim das palavras, a dor esgota
as forças, são frios os batentes nas portas da manhã.
Wednesday, February 4, 2009
Pais???
É claro que a grande maioria das pessoas precisa de trabalhar em horários que não se compadecem com as horas que uma criança de 6 a 10 anos deve passar na escola. Mas isso sempre foi assim: só que antes a professora era a segunda mãe, não a primeira ou a única. Os avós não estavam num lar _ estavam ao portão da escola para nos levarem para casa e nos darem pão com marmelada e nos contarem histórias. Os irmãos mais velhos tomavam conta dos mais novos. As crianças brincavam juntas na rua ou nos jardins, até um dos pais chegar a casa. Caíam, esfolavam os joelhos, partiam a cabeça, andavam à pancada... Mas ninguém processava a Câmara ou a escola. No máximo levavam um par de tabefes por não se terem portado bem. E eram geralmente felizes.
Hoje recebem brinquedos caros no Natal, nunca são repreendidos, na escola tudo tem que ser divertido, não se podem cansar, nem fazer trabalhos de casa, não ajudam a tomar conta dos irmãos, não ajudam a mãe a fazer bolos aos sábados, não sabem o que são os avós nem para que é que eles servem. Acordam aos 18 anos e não sabem quem são os pais, nem os pais sabem quem são os filhos.
E depois dizem que o que os traumatiza são as correcções a vermelho...
Texto escrito às escuras numa destas noites
Queria que a luz voltasse. Medo que a vela se apague e me deixe cega outra vez, a tactear o caminho no imenso tédio de quem não vê. O medo de bater contra os móveis da casa, que aproveitam o escuro para nos rasteirar, colocando-se nos sítios mais extraordinários. Quando a luz regressar, voltarão num ápice ao seu lugar, assobiando inocências, de olhos no tecto.
Sunday, January 25, 2009
Cratera
O meu amor não cabe num poema- há coisas assim,
que não se rendem à geometria deste mundo;
são como corpos desencontrados da sua arquitectura
ou quartos que os gestos não preenchem.
O meu amor é maior que as palavras; e daí inútil
a agitação dos dedos na intimidade do texto-
a página não ilustra o zelo do farol que agasalha as baías
nem a candura da mão que protege a chama que estremece.
O meu amor não se deixa dizer- é um formigueiro
que acode aos lábios como a urgência de um beijo
ou a matéria efervescente dos segredos; a combustão
laboriosa que evoca, à flor da pele, vestígios
de uma explosão exemplar: a cratera que um corpo,
ao levantar-se, deixa para sempre na vizinhança de outro corpo.
O meu amor anda por dentro do silêncio a formular loucuras
com a nudez do teu nome- é um fantasma que estrebucha
no dédalo das veias e sangra quando o encerram em metáforas.
Um verso que o vestisse definharia sob a roupa
como o esqueleto de uma palavra morta. Nenhum poema
podia ser o chão da sua casa.
Maria do Rosário Pedreira, O Canto do Vento nos Ciprestes
Sunday, January 18, 2009
Quem o feio ama...(?)
1ª questão: Porque é que em todas as histórias é o elemento feminino o abençoado com o dom da beleza e nunca o contrário?
2º questão: Porque é que, no final, eles só ficam juntos após a transformação do homem feioso em esbelto príncipe?
Na verdade, em "A Bela e o Monstro", ele virou um charmoso príncipe de aspecto nórdico, o sapo idem, e Shrek e Fiona decidiram que ambos permaneceriam no seu estado de ogres.
Porque era perfeitamente inconcebível, até na mente infantil, que uma mulher linda pudesse ser feliz para sempre com alguém que não fosse tão atraente como ela. Da mesma forma que não se concebe que alguma vez um homem belo possa sequer vir a apaixonar-se por uma sapa verde. Nem sequer em contos de fadas... E isso explica muita coisa.