Monday, December 28, 2009

Tuesday, December 15, 2009

Emanuel

De onde vens, Emanuel? De que tristeza, de que infância, de que mágoa? De que tens fome?
As mãos que tens, que bem podem fazer? E quanto mal já fizeram?
Levanta os olhos do chão. 17 anos não foram feitos para se contarem os passos, mas para olhar em frente e começar a correr.
Quantos dias contaste por detrás desses muros (centro educativo uma treta, prisão!) Quantas vezes viste fugir o sol e quantas pediste para não voltar a vê-lo?
Consegues ouvir a vida cá fora, os carros nas veias da cidade, um coágulo de vez em quando, filas intermináveis, que aborrecimento, as pessoas de mão no volante, a outra a sintonizar o rádio, gente de vida fácil, sem portas blindadas, sem fechaduras, sem arame farpado, sem guardas e armas e perguntas sem resposta.
O que queres ser, quando tirares os olhos do chão?

Saturday, December 12, 2009

Não - A - Gripe


Quando era uma criatura de pouco mais de 1m e sem os 2 dentes da frente, adoecia muito menos que os meus pares: enquanto as gripes e as amigdalites e otites e outras maleitas do género levavam metade da turma ao calor do sofá onde não chegavam os ditados, as contas de dividir e os verbos, eu, com mais ou menos ranho, lá passava os invernos com uma colher de xarope de cenoura. Não havendo febre, não havia desculpa: saltar da cama, a água gelada nos canos, e escola.
Hoje, que sou grande, os vírus continuam à distância, mesmo os pandémicos. Tudo isto para dizer que estou com gripe. Mas, como não é gripe A, não tenho direito a estar em casa durante 7 dias, no sofá, a ver desenhos animados. E, à excepção do dia de hoje, que acordei (outra vez) afónica e com febre e me dei ao luxo de não ir dobrar camisolas, lá tenho eu que saltar da cama, tomar pastilhas que não chegam aos calcanhares do xarope de cenoura e ir para o trabalho. Triste vida a minha!

Tuesday, December 8, 2009

No final, o Amor

Hoje revi "Cinema Paraíso". Já me tinha esquecido de como é absolutamente maravilhoso. Ou talvez não me tivesse apercebido antes. Há filmes assim, e livros. De cada vez que os revemos, é como se fossem algo novo, despertam emoções desconhecidas, provocam lágrimas ou sorrisos por motivos diferentes. Quando voltar ao "Cinema Paraíso" daqui a dez anos talvez não me lembre já do que senti hoje e chore por razões completamente diferentes.
Mas há algo que não muda e que é real como uma pedra: no final, resta sempre (e só) o Amor.


Tuesday, November 17, 2009

Paisagem

No final de uma viagem tão rica em paisagens de Outono que quase me obrigavam a parar (o nascer do sol é tão belo depois de tantos dias de chuva), fui obrigada a esperar cerca de 1h no átrio de um tribunal de província e senti-me metida num quadro que podia ser da Paula Rêgo, tal era a variedade de personagens maravilhosamente feias.
Havia velhos e velhas, muitas velhas, todas iguais como são as serranas, de cabelos curtos, oleosos, as mãos encardidas do trabalho de muitos anos, adornadas com a pulseira do reumático. Quase dá para lhes adivinhar toalhas de plástico a imitar renda holandesa em mesas redondas e não me surpreenderia se tivessem trazido cães de loiça pela trela. Via-se logo que ali estavam por causa do terreno de algum vizinho: são velhos como os caminhos, nasceram no tempo dos marcos de pedra e dos castanheiros pequenos. Nesses tempos, resolvia-se a querela com bengaladas ou uma foice na cabeça. Não havia paciência para esperas intermináveis que acabam em adiamentos.
Entre eles estava um homem alto, corpulento. Dizer que a barriga é proeminente é pouco: e sobre a barriga redonda, em azul e vermelho, um losango gigante em malha, cruzado a meio por duas linhas amarelas, a marcar o centro do alvo. E eu a olhar para ele a apetecer-me um arco e uma flecha para treino de pontaria.
Do lado oposto, dois adolescentes namorados, com cara de quem tem a idade dos caminhos e dos marcos de pedra e dos castanheiros. Ela é baixa mas espalhafatosamente gorda, usa calças dos bombeiros, com tiras reflectoras, e uma camisola comida da traça. Ele é um franguito com aspirações a grande motard, um James Dean dos montes, raquítico, o cabelo todo puxado para trás à força de gel, uma barbita rala e uma única sobrancelha sobre os olhos piscos. Ao lado senta-se uma figura metade mulher, metade porco: pergunto-me como terá conseguido meter uns pés tão gordos nuns sapatos tão pequenos.
Mas a personagem central é o Ilustre Colega, Ex.mo Sr. Dr. Forcado. Baixito, quase atarracado, estica quanto pode o pouco pescoço que tem, semi-cerra os olhos como se focasse a imagem do touro na outra ponta da arena. Barriga para dentro, peito para fora, ombros para trás, mãos na anca "Eh touro lindo!"
Ridículos, feios, pobres, genuínos. Reais.

Friday, November 13, 2009

Graciosa

Entrou na timidez de quem se habituou ao pé-ante-pé do medo de longos corredores. Trazia as pálpebras pintadas de azul, as unhas rosa e manchas negras nos braços. Que fez ao baton, dona Graciosa? Deixou-o talvez esborratado na chávena do café.
Sacode os cabelos, de vez em quando, imaginando caracóis ruivos de salão de cabeleireiro, os gestos de primeira bailarina no palco do consultório, e conta...
Apetece-me dar-lhe alguma coisa, dona Graciosa: um anel de brilhantes, uma coroa de rainha, um sonho qualquer. Dar-lhe talvez as minhas mãos. Tome, fique com elas, guarde-as no áspero aconchego das suas. E não seremos sozinhas.

Monday, November 9, 2009

Esclareça-me, tia

Estou enrolada numa manta a recuperar do trabalhão do fim de semana na Zara (mas toda a gente decidiu comprar roupa agora por alma de quem?!) e apanhei um programa da tarde onde um jovem beto cabeludo, de apelido estrangeiro, dizia à jovem esposa (possivelmente herdeira de montes no Alentejo) : "Partilhar o dia-a-dia consigo é um privilégio."
Ora, eu nasci e vivo nas Beiras e não faço ideia de como é que as coisas funcionam na Linha, mas na minha terra dois jovens recém casados tratam-se por tu. "Partilhar o dia-a-dia consigo é um privilégio" seria frase que eu usaria para dar graxa a um chefe e não para me dirigir a alguém com quem partilho o copo da escova de dentes.
A tia, que nunca se manifestou, mas que eu acredito que lê este blog, diga-me: na cama, este tipo de marido dirá "Querida, desculpe, importa-se que eu profira um palavrão?" ou "Pegue-me no croquete."?


Entretanto estou a lembrar-me de muitos outros trocadilhos do género... :D

Saturday, November 7, 2009

A felicidade vem da burrice?

Li num sítio qualquer que um estudo científico recente sugere que as pessoas com mau humor são mais inteligentes do que as outras. Parece-me que os senhores cientistas não têm 100% de razão: o que se passa é que as pessoas inteligentes são mais mal humoradas. E isto faz toda a diferença. As pessoas não são inteligentes por serem infelizes, são infelizes porque são inteligentes. Vergílio Ferreira disse-o várias vezes: "Ser-se inteligente é ser-se desgraçado."

Tuesday, November 3, 2009

Silogismo ligeiramente eufemístico


Só os pequenos traficantes vão dentro. Os pequenos traficantes só são pequenos porque são burros. Logo, o meu arguido não é propriamente inteligente...

Monday, November 2, 2009

Isto não é um post sobre o aniversário do blog

Este blog faz 3 anos. Parabéns a vocês.

Thursday, October 29, 2009

Chieko


Chieko é das melhores personagens cinematográficas de sempre. Complexa, quase labiríntica, ela ultrapassa o óbvio: a adolescente surda-muda revoltada no seu silêncio. Ela é uma menina a pedir aos gritos que a amem. Ela é uma mulher inteira, com a profunda consciência do seu corpo e a certeza de ser invisível, a estender tentáculos desesperados para lado nenhum.

Tuesday, October 27, 2009

Algo está muito mal...

... quando as horas em que estamos no trabalho são as únicas horas felizes de todo um dia.

Monday, October 26, 2009

Bad weight day

Hoje acordei demasiado magra. Vou ali comprar uma balança e já volto.

Wednesday, October 21, 2009

Wednesday, October 14, 2009

não-prodígio


Passamos uma infância inteira a obedecer. A não dar problemas. A fazer muito poucas asneiras. A ter boas notas. Somos uma promessa, de soquetes brancas e tranças no cabelo. Uma bela expectativa. E um dia acordamos e não passamos de uma desilusão em estado adulto.

Wednesday, October 7, 2009

glossário

"pessoa humilde": expressão geralmente usada pelas chefias para designar um funcionário lambe-botas.

Saturday, October 3, 2009

Vamos brincar

Faz de conta que eu sou uma estrela e tu um fumador numa varanda.

Thursday, October 1, 2009

Wednesday, September 30, 2009

"Raras vezes se terá visto quadro tão estranho: uma rapariga a sacudir a cabeça, desesperada, e um homem sorrindo tristemente para a paisagem, certo de que a tempestade iria passar.
Como de facto passou. Instantes depois Guida recuava um passo e ia sentar-se no chão, quebrada, numa grande fadiga. Procurou um cigarro, tremia dos pés à cabeça."

O Anjo Ancorado, José Cardoso Pires

Wednesday, September 23, 2009

domingo de eleições

Sempre me disseram que o direito ao voto, num regime democrático, é sagrado. E eu concordo. A abstenção é uma coisa que me aborrece, por várias razões que me escuso de enumerar, porque já é tarde, estou sem paciência e com os olhos meios colados. Mas havia uma dúvida a martelar-me a conciência que tive que resolver. As eleições são sempre marcadas para o Domingo por ser o dia de descanso semanal para (quase) toda a gente. Assim, (quase) todos podem deslocar-se ao seu local de voto, excepto o monte de gente que trabalha ao Domingo e no qual eu me incluo. Devo acrescentar que muitos de nós têm que fazer quilómetros para ir votar. O que torna impossível o exercício do direito de voto a todos os que dão o litro no dia do senhor, e que não são assim tão poucos como possam pensar. Façam as contas a todas as meninas vestidas de igual que se encontram a dobrar camisolas nos diversos centros comerciais do país...
Inconformada, consultei o Código do Trabalho. O exercício do direito de voto TINHA que estar na lista das faltas justificadas. Pois. Pode-se faltar justificadamente para muita coisa. Para votar, não. Assim, todos os pobres de Cristo que trabalham em dia de eleições, ou faltam "injustificadamente" ou entram forçados nas estatísticas da abstenção.
Por mim, já pedi folga no Domingo. Para isso, vou ter que trabalhar 10 horas no Sábado, mas paciência. Seja por todos os que gastaram anos de vida a lutar para que eu o pudesse fazer.
Fica a proposta para os senhores deputados da nação: quando voltarem a alterar o Código do Trabalho (que bem precisa), lembrem-se disto. É capaz de ser mais produtivo do que beijocar transeuntes.

Good old Jimi

Friday, September 18, 2009

Da ressaca


acordei com a rara lucidez do torpor alcóolico, o cabelo a cheirar a tabaco e a chuva, para encontrar apenas a imaculada planície dos lençóis a negar-me aos gritos o arrepio de outro corpo. e tudo por causa de uma borboleta cor-de-rosa.

Helena Abreu

Monday, September 14, 2009

eufemismos

hoje alguém teve a coragem de me dizer, embora delicadamente, GET A LIFE! e eu fiquei a pensar: pois.

Friday, September 11, 2009

Saturday, September 5, 2009

Pequeno bilhete aberto ao Barroso

Caro Barroso:
A não ser que, no último mês:
a) tenhas estado a escalar o Evereste;
b) tenhas sido sequestrado por uma seita perigosa;
c) tenhas estado em retiro sexual
NÃO HÁ DESCULPA PARA A TUA AUSÊNCIA NO PENSO LENTO. É bom que voltes. Eu não sei onde tu moras. Mas posso descobrir.

Em altos berros, no carro, com pequenos movimentos pseudo-dançantes perante semáforos fechados

Ou a decadência total.

Sunday, August 30, 2009

Ascensión

Doifel Videla

Monday, August 17, 2009

Friday, August 14, 2009

Época de caça

Já aqui confessei que a caça não é (nunca foi) o meu forte. Mas se no resto do ano esse problema é só um bocado chato, que se compensa com bons filmes no quentinho do sofá, o Torga e o Yeats na cama, grandes pratos de rancho e feijoada e outras iguarias de Inverno, no Verão a incapacidade de seduzir transforma-se numa catástrofe. Afinal, olho à minha volta e tudo são parzinhos mais ou menos estáveis, flirts e joguinhos, olhares de esguelha que nunca são para mim. Para além de que os confortos de um estômago recheado ajudam, mas não eternamente...

Vai daí, decidi tentar perceber onde é que estou a errar. Comecei com a leitura de revistas da especialidade. As "Caça e Pesca" das mulheres. E eis algumas conclusões:


O homem gosta da mulher-troféu. A mulher que pode ter ao lado para exibir aos amigos e mostrar que não fica para trás. No final da relação, empalham-nas e penduram-lhes a cabeça, geralmente enfeitada, por cima da lareira, ao lado das outras. Os homens que andam com mulheres feias são inseguros e preferem aquela a nenhuma ou então gostam realmente dela (ou do seu dinheiro/cozinhados/apartamento/ninfomania). Assim, as minhas primeiras desvantagens são físicas. Uma mulher bonita (= loura e mamalhuda) não necessita caçar porque é a própria presa. Ora eu sou como aquele bicho que parece um pau. O predador passa e nem me vê...


Também se diz que os homens se sentem intimidados perante uma mulher que pareça mais inteligente que eles (merde). Adiante.


Os homens gostam de mulheres com sentido de humor. Sim, isso eu sei. Mas não tenho muito boas experiências a esse nível. Eu tenho sentido de humor, mas daquele género que faz com que o homem olhe para mim como um-gajo-porreiro e não propriamente uma mulher. Explico: Enquanto as outras mulheres fazem amigos que lhe mandam mensagens a perguntar vagamente se não querem ir sair a noite, depois de uma semana a ganhar coragem para sacar o número de telemóvel, eu faço amigos que me dizem "Bora beber umas mines?" enquanto me dão um palmadão nas costas e no final da noite estão a peidar-se à minha frente e a falar de futebol. Nice...


Portanto, que temos? Uma caçadora atenta mas perneta e sem armas. Hmmm...


Deixemos as revistas e olhemos para exemplos práticos: as amigas. A maioria tem as suas armas de sedução. E as duas pernas operacionais. Mas há as que, aparentemente nada têm, à excepção, talvez, de uma fisga. Então, como conseguem? Talvez o tipo de presa seja a explicação.


Se calhar, devia deixar-me de tentar a caça grossa e contentar-me com um tordo ou assim.

Sunday, August 9, 2009

selva

entro com cuidado, à procura da emboscada dos teus olhos. vejo-te ao longe, de cabeça baixa, o emaranhado escuro dos cabelos na nuca, o perfume irresistível de sangue que sobe do teu pescoço... e tenho que reprimir o instinto de te esquartejar com os dentes, antes que tenhas tempo de olhar para trás.

Tuesday, August 4, 2009

Apetece-me ser fútil

Tenho que mesmo que dizer o seguinte:


Pessoas do meu país e pessoas do meu país que vivem no estrangeiro: o escaldão NÃO É uma coisa bonita de se ver. Eu sei que muitos de vós ainda vivem naquele preconceito provinciano de que, se não aparecerem queimados, é porque não foram à praia e não ir à praia é coisa de gente pobre. Mas ir para o areal, armado com um tapa-vento e o óleo johnson, fritar, de perna aberta, desde as 12h às 17h (hora em que vão para a fila do duche do campismo) é coisa de gente parva: Se são branquelas, NUNCA chegarão a ficar morenos. Primeiro ficam vermelhos e doridos e mais tarde começa essa linda coisa que é a pele a escamar e a ficar manchada. E a única coisa que conseguem provocar nos outros não é inveja, mas, no máximo, pena.

Portanto, pessoas branquinhas, admitam que são branquinhas e deixem-se de parvoíces. Porque tudo o que vão conseguir é parecer um melanoma com pernas.


Thursday, July 30, 2009

Wednesday, July 29, 2009

Women in art



Numa palavra: uau!

Saturday, July 25, 2009

Back to terrinha...

Depois de um merecido (mas muito curto) descanso com praia, sol e marisco, regresso à terrinha. E para quê? Para, pela módica quantia de 2€, assistir a um concerto de Carlos do Carmo, num monumental anfiteatro com bancadas de cimento, sob as estrelas de um céu de Verão e a frescura da brisa da noite. Motivo de espanto inicial: o homem que enche o Coliseu tinha à sua espera metade do anfiteatro (que já não é assim tão grande). Arrisco ainda dizer que cerca de um quarto dos presentes não sabia ao que ía. O povo, agindo como se Carlos do Carmo fosse o vocalista de um conjunto em cima de um palanque, continuou a entrar e a saír do recinto em grande arraial, a conversar alegremente em voz alta e a falar ao telemóvel. O artista, com razão, reclamou. Interrompeu o concerto para deixar que um senhor na primeira fila atendesse uma chamada à vontade, e que, mesmo sob as luzes da ribalta, continuou a falar, como se nada se passasse, enquanto o fadista esperava, de microfone na mão. "Esteja à vontade, amigo, temos tempo."
Senti-me envergonhada e recordei esse concerto de António Pinho Vargas, no cine-teatro, em que dezenas de moços imberbes se levantaram e saíram da sala, obrigando o músico, indignado, a acabar com o espetáculo. É o que resulta da entrada livre, ou quase. Quem realmente quer assistir mistura-se com quem vai porque não tem mais que fazer.
E eu, que tenho sempre o azar de, nestas coisas, ficar sentada ao lado de gentes parvinhas, tive que ouvir os comentários imbecilóides de três puros burgessos serranos que passaram o tempo a comparar a potência dos respectivos telemóveis e suas câmaras (miserável prolongamento peniano) e a perguntar uns aos outros, perante uma introdução a um fado de Alfredo Marceneiro para um poema de Bocage, quem é esse tal de Bocage Marceneiro.
Hoje volto para Coimbra.

Friday, July 17, 2009

Desculpem lá, mas...

... cá vai mais um post indignado. Todos os que estão fartos de me ouvir reclamar podem parar de ler por aqui e ir ver vídeos no redtube.
Estava eu feliz da vida, cozinhando uma apetitosa carne para o almoço, quando arrebito a orelha para ouvir o que dizia o sr. jornalista sobre um país qualquer onde era proibido aos homossexuais dar sangue. Sem olhar para a TV, abanei a cabeça e pensei: mais uma ideia absurda de um desses países de terceiro mundo, lá para o médio oriente. Qual não é o meu espanto quando me apercebo que o país onde os homossexuais não podem dar sangue é... Portugal! Incrédula, tentei perceber as razões de tal norma. Parece que, por cá, continua a pensar-se que o facto de ser homossexual implica necessariamente ser-se promíscuo, ter comportamentos de risco e, consequentemente, ter mais probabilidade de contraír doenças perigosas. Mais ainda: isto só vale para os homossexuais masculinos. As lésbicas podem dar sangue à vontade.
Das poucas vezes que dei sangue, nunca ninguém me perguntou qual a minha orientação sexual e, que eu saiba, o inquérito inclui para todos os dadores as mesmas questões acerca de comportamentos de risco. Além disso, o meu sangue (e suspeito que o de todos os outros dadores) é sujeito a uma bateria de análises para despistar doenças graves antes de ser usado em transfusões. Porque é que o sangue de um homossexual não pode seguir o mesmo caminho?Também não me parece que o doente que necessite de uma transfusão se lembre de perguntar se o sangue é de um hetero ou homossexual, a não ser que tenha medo de contrair mariquice por transfusão sanguínea.
Estou tão furiosa que nem sei o que vos diga mais. Olhem, digam vocês o que vos parece...

Wednesday, July 15, 2009

SALDOS - SALES - REBAJAS

Estimado Cliente:
Hoje começa, oficialmente, a época de saldos. As lojas vão estar apinhadas, a roupa vai andar pelo chão, e muitos ficarão felizes por dar 4,99€ por um farrapo que não serve nem para limpar vidros, pelo simples facto de ser tão barato. Por forma a facilitar as vossas compras e o trabalho dos funcionários das zaras, cê-e-ás, agá-émes e afins, agradecemos que cumpram as seguintes regras:
1. O empregado da loja existe, é visível e (pasme-se!) tem sentimentos. Não custa nada dizer-lhe boa tarde ou, simplesmente, olhá-lo com amabilidade, em vez de fingir que ele não está lá.
2. Quando, ao ver peças de roupa, deixar caír alguma delas no chão, não assobie para o tecto, fingindo que não é nada consigo: apanhe-a e coloque-a no móvel mais próximo.
3. Antes da sua odisseia de compras, POR FAVOR coloque desodorizante e lave os pés. Os funcionários não serão tão eficazes se tiverem que controlar os vómitos devido ao cheiro que fica na zona dos provadores.
4. Tenha atenção ao comportamento do seu filho: evite que ele espalhe batatas fritas do happy meal pelo chão, faça chichi num canto da loja ou passeie alegremente com um saco de plástico enfiado na cabeça.
5. Não obrigue um funcionário a ir buscar peças ao armazém simplesmente porque acha que a da loja já foi muito manuseada: você não faz ideia do que se passa nos armazéns...
6. Ao procurar uma peça de roupa específica, tente descrevê-la o melhor possível, para que possamos ajudá-lo. De nada nos serve que nos repita mil vezes que viu na outra zara um casaco cuja principal característica é ser "muito giro".
7. Quando, no meio daqueles montes com milhares de camisolas a 5 euros, encontrar uma de que gosta mas não for o seu tamanho, não adianta vir perguntar se há. Se houver está lá no meio. A ROUPA AINDA NÃO TEM GPS por isso não conseguimos encontrá-la através do computador e, obviamente temos muito mais que fazer do que ajudá-lo a procurar. Poupe-nos o degredo de gritar: Ó freguesa, é escolheriiii!!!!
8. Por muito que lhe pareça estranho, nós, os funcionários, temos HORÁRIO DE TRABALHO. Se a loja fecha às 24h, não é de bom tom entrar com a maior das latas, às 5 para a meia-noite, para desarrumar o que já está dobrado e saír 20m mais tarde, arrulhando que volta no dia seguinte.
9. A função do lojista é ajudá-lo a comprar roupa. Evite pedir-lhe para tomar conta do bebé enquanto vai só ali à secção de homem, ou para chamar a sua filha, que está vestida de roxo e deve estar à sua espera à porta da FNAC.
10. A caixeira não tem culpa que as calças tenham a costura torta, que a camisola tenha o decote de lado e uma manga maior que a outra. Reclame com as crianças indianas que as fabricaram.

Obrigado e boas compras.

Ass: Auto-nomeada porta voz dos funcionários das lojas de roupa.

Insónia

Voltei à música clássica. Mas troquei o piano pelas cordas.

Tuesday, July 14, 2009

Corpo Inteiro

Toulouse-Lautrec

Para mim o

amor

fica-me justo.



Eu só visto

a paixão

de corpo inteiro.



Maria Teresa Horta

Thursday, July 9, 2009

Auto-elogio

sobe a lua como se nascesse de tua casa. branca-redonda como um seio ou um ventre materno. ao meu lado ilumina-se a tua ausência, fazendo-me sentir dolorosamente mulher. Espalhado na almofada, o meu cabelo ondulado tem a cor outonal das castanhas nos seus ouriços. as pestanas longas feitas da seda dos olhos, as pálpebras nacaradas, pétalas trémulas na superfície do rosto. no meu ventre naufragariam quantos nele se atrevessem e entre a brandura tensa das minhas coxas adormeceria o mais inquieto dos homens. a dolorosa consciência de ser mulher inteira.
mas vazia.

Wednesday, July 1, 2009

Monday, June 29, 2009

Wednesday, June 24, 2009

Mundo louco



É agora! Preparai-vos para a chegada dos cavaleiros do apocalípse! Há mais um sinal de que o fim dos tempos está próximo: Já não bastavam as alterações climáticas, a gripe dos porcos, Berlusconi e a Júlia Pinheiro. Aquele actor que não sei como se chama, com ar de quem esteve fechado numa cave sem ver a luz do sol durante 20 anos mas que fez um filmezito ranhoso qualquer recentemente foi eleito o homem mais bonito do mundo, com 51% dos votos dos leitores da Vanity Fair, enquanto Gael Garcia Bernal se ficou com 1% dos votos. Só tenho uma coisa a dizer: ESTÁ TUDO PARVO!

Sunday, June 21, 2009

Os amores impossíveis II ou autopsicanálise

Subitamente, ontem, percebi porque raio é que só me apaixono por impossíveis: é que a possibilidade é simplesmente aterradora.

Friday, June 19, 2009

Os amores impossíveis

"Aquela coisa de que só gostamos de quem não gosta de nós, "João amava Teresa, que amava Raimundo/ que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili/ que não amava ninguém". O Drummond de Andrade sabia tanto destas coisas, sabia que dois amantes são dois inimigos, estão sempre à espreita do ponto fraco por onde possam dominar, ou seja, perder o interesse pela presa, dois amantes têm medo um do outro, são um perigo um para o outro, são tão desconfortáveis que se zangam, esgatanham, provocam, mordem e arranham, para se poderem afastar e rir. Rir é uma maneira de ir embora, e só quando o silêncio vem é que os amantes se amam outra vez..."


"Certos lutos têm a forma de círculos concêntricos. Como os da famosa pedrada no charco. Vem a incredulidade, desaparece, volta a vir no dia seguinte, abranda, a vida é impossível sem ti, no dia seguinte tomamos o pequeno almoço."


Isabel Cristina Pires, O nome do poeta

De pequenino...

Eu sei que sou uma saudosista, que não resisto a falar da minha infância de finais da década de oitenta como se a tivesse passado num paraíso. E qualquer pretexto serve para abordar (outra vez) o tema. Desta vez são as novas regras de segurança dos parques infantis: há que dizer que, actualmente, os parques infantis não têm gracinha nenhuma. Os escorregas são tão pouco inclinados que as crianças têm que se arrastar para chegar ao chão. Os baloiços consistem em bonecos de PVC apoiados em molas gigantes que permitem aos petizes balançarem 3 vertiginosos centímetros para a frente e para trás. E o chão é de um material suave e almofadado. Proibiram os escorregas em chapa metálica. E obrigam à colocação de barreiras físicas junto aos baloiços.
No meu tempo, brincávamos em parques cujo chão era em cimento. Ou gravilha. Os baloiços, quando não rebentavam, atirando-nos ao chão, serviam para tentar chegar o mais alto possível. Não eram necessárias barreiras físicas para evitar que uma criança levasse uma patada na cabeça, a alta velocidade. Todos nós, de uma forma ou de outra, tínhamos aprendido que passar perto de um baloiço, quando alguém o usava, era perigoso.
Havia um equipamento especialmente interessante: o caracol. Era uma coisa com dois ferros paralelos, unidos a espaços por barras trasnversais, concebida para trepar até cerca de 2m de altura. As mãos escorregavam? Sim. Se caíssemos, bateriamos contra os ferros e, finalmente, no chão de cimento? Sim. Por isso é que era fixe.
Os escorregas eram, sem dúvida, a melhor parte. Havia-os de madeira, na maioria bastante altos, velhos e ressequidos do sol. Quem escorregava espetava muitas vezes farpas nas pernas e nas mãos, que depois tirava com uma agulha. Mais tarde, vieram os de chapa de metal. Escorregavam muito bem e eram bastante inclinados. Em dias de calor, queimávamos o rabo. Mas aprendemos que o metal, quando exposto ao sol, aquece. MUITO.
Tinhamos os joelhos esfolados, as mãos cortadas, os narizes pintados de eosina. E éramos putos felizes. E desenrascados. E, já agora, tomem lá:

Thursday, June 18, 2009

Ecce homo

Desbaratamos deuses, procurando
Um que nos satisfaça ou justifique.
Desbaratamos esperança, imaginando
Uma causa maior que nos explique.

Pensando nos secamos e perdemos
Esta força selvagem e secreta,
Esta semente agreste que trazemos
E gera heróis e homens e poetas.

Pois Deuses somos nós. Deuses do fogo
Malhando-nos a carne, até que em brasa
Nossos sexos furiosos se confundam,

Nossos corpos pensantes se entrelacem
E sangue, raiva, desespero ou asa,
Os filhos que tivermos forem nossos.


José Carlos Ary dos Santos

Wednesday, June 17, 2009

Wednesday, June 10, 2009

desejo


Queria-te assim. Inesperado. Um súbito arranque irreflectido. A urgência contida na força das mãos, nos dentes cerrados sobre a pele, as costas contra a parede.

E que te fosses, depois, enquanto ainda houvesse no ar a poeira da explosão. Definitivamente?

Brassai

Monday, June 8, 2009

Wednesday, June 3, 2009

Nome

Onde quer que o encontres
escrito, rasgado ou desenhado:
na areia, no papel, na casca de
uma árvore, na pele de um muro,
no ar que atravessar de repente
a tua voz, na terra apodrecida
sobre o meu corpo – é teu,

para sempre, o meu nome.



Maria do Rosário Pedreira

E o genérico vencedor é...

A Tieta sobre Pedra.

Wednesday, May 27, 2009

nova sondagem

O melhor genérico novelístico-brasileiro de sempre. E os nomeados são:









I rise...



You may write me down in history
With your bitter, twisted lies,
You may trod me in the very dirt
But still, like dust, I'll rise.

Does my sassiness upset you?
Why are you beset with gloom?
'Cause I walk like I've got oil wells
Pumping in my living room.

Just like moons and like suns,
With the certainty of tides,
Just like hopes springing high,
Still I'll rise.

Did you want to see me broken?
Bowed head and lowered eyes?
Shoulders falling down like teardrops.
Weakened by my soulful cries.

Does my haughtiness offend you?
Don't you take it awful hard
'Cause I laugh like I've got gold mines
Diggin' in my own back yard.

You may shoot me with your words,
You may cut me with your eyes,
You may kill me with your hatefulness,
But still, like air, I'll rise.

Does my sexiness upset you?
Does it come as a surprise
That I dance like I've got diamonds
At the meeting of my thighs?

Out of the huts of history's shame
I rise
Up from a past that's rooted in pain
I rise
I'm a black ocean, leaping and wide,
Welling and swelling I bear in the tide.
Leaving behind nights of terror and fear
I rise
Into a daybreak that's wondrously clear
I rise
Bringing the gifts that my ancestors gave,
I am the dream and the hope of the slave.
I rise
I rise
I rise.

Maya Angelou

Monday, May 25, 2009

Direito de Resposta

Em resposta ao que escrevi sobre o projecto "Torga em SMS", disse o seu coordenador (ver na caixa de comentários):
"Existe um projecto que prevê a passagem" - Não é verdade, já está integralmente convertido para SMS. O que pode doer é vê-lo botar opinião sem se informar primeiro. É contestar o projecto tendo por base os argumentos que alicerçam a sua publicação. Não é um blog, são quatro. E leia o detalhe primeiro, aqui: http://www.mediatico.com.pt/sms/torga-sms-pr.doc
Depois, sim, diga o que lhe aprouver. Comentar de cor é que não é correcto, não sei se consegue entender...
DMA Coordenador do Projecto "Torga em SMS"
Em primeiro lugar, devo dar-lhe razão: eu não conhecia o projecto. Emiti opinião, como aliás tenho por (mau) hábito, com base numa conversa de café, facto pelo qual peço desculpa. Assim, para me redimir, segui as indicações que me deu, e que agradeço, para me informar melhor.
Segundo percebi, o projecto tem como objectivo gerar a discussão sobre a forma preocupante como os jovens, actualmente, escrevem, arrastando para os contextos escolar e profissional os mesmos gatafunhos que usam na Internet ou no telemóvel. Se assim é, e se o que pretende o projecto é chocar e abanar consciências, através da comparação entre a versão original e a "abreviada", está de parabéns: a mim, chocou-me. E a discussão parece estar lançada. O que me preocupa é se tal projecto terá ou não o mesmo efeito nos jovens, ou se, pelo contrário, não virá legitimar aquilo que se pretende combater...

Friday, May 22, 2009

Sobre o clube das virgens

Ai não querem? Por mim, tudo bem! MAIS SOBRA! Enquanto esperam pelo homem certo, nós cá trataremos dos errados.

A vocação consentida


" Transponho a porta e subitamente vejo tia Joana sentada num banco raso ao pé da janela. Está imóvel, tem no colo um alguidar, com a mão direita segura uma faca, com a esquerda segura um molho de couves. Deve estar a migar o caldo-verde. Mas não se move. Tem a cabeça inclinada para o trabalho das mãos, a faca meio enterrada para o molho de couves, paralisada como num instantâneo fotográfico. A luz da janela bate-a de lado, toda ela lembra um modelo de cera fixada numa posição (...)Está assim sentada, imóvel na tarde que esmorece, batida na face da luz pálida da janela. Tem um alguidar no colo, as mãos imobilizadas a cortar o caldo-verde, os olhos fixos nas mãos. Parada na eternidade, olho-a sempre, não se move."

Vergílio Ferreira, Para Sempre

Ontem, na Almedina, Isabel Cristina Rodrigues falava da vocação consentida de Vergílio e a profunda ligação que parece existir entre a sua escrita e a expressão plástica. Vergílio teria preferido ser pintor. Para mim, foi-o. Pintor sem tintas, sem pincéis. Como tela, a folha em branco. Como tema o "impintável".

Trg no tlmvl

Existe um projecto que prevê a passagem do Diário XII de Miguel Torga para a escrita sms. E isso dói. Um mestre da escrita codificado para consumo da massa de adolescentes cada vez mais incultos e embrutecidos. Por nossa culpa. Porque hoje tudo se simplifica. Tudo se facilita. Tudo se quer liofilizado, instantâneo.
Torga em sms? Um verdadeiro atentado.

Thursday, May 21, 2009

Espelhos no tecto? boring...

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Wednesday, May 20, 2009

...

"... escrever é uma maneira de morrer sem dar nas vistas..."

Isabel Cristina Pires, O nome do poeta


pascal renoux


ou de se gritar que se está só, diria eu.

Friday, May 15, 2009

Este blog não é uma democracia

Não percebo como é que alguma vez puderam pensar o contrário. Este blog é meu, logo, eu mando aqui. Isto para explicar a seguinte decisão:

O vencedor da sondagem "Quem gostarias que te tratasse da saúde?" foi o Dr. Sloan, da série Grey's Anatomy.

Podia até não explicar porque decidi que o desempate entre ele e o House fosse neste sentido, mas acho que não perco assim tanto tempo a fazê-lo: O Sloan ganhou PORQUE SIM.

Obrigado a todos os que participaram. Especialmente...

...à Tininha, que deu um voto ao pobrezinho do Shepherd;
...à Lena, que votou duas vezes, para que o Sloan pudesse empatar com o House e eu pudesse desempatá-los conforme acima descrito.

Tuesday, May 12, 2009

Porque às vezes me apetece ser uma pessoa séria

Esta é uma sondagem da maior importância: afinal, trata-se de decidir qual dos médicos seguintes gostaríamos de ter ao nosso lado, se deitadas numa cama de hospital (ou outra). Obviamente, fiz uma pré-selecção. Se acharem que algum merece estar na lista e não está, azar.







House (House)







Kovac (ER)







Shepherd (Grey's Anatomy)






Sloan (Grey's Anatomy)







Karev (Grey's Anatomy)

No próximo mês a sondagem será sobre cores para vestidos de noiva.

PS: Lena, não vale votar mais de uma vez.


Monday, May 11, 2009

Conversa da mesa do lado

Ele disse-lhe:
Atrais-me tanto... Não sei o que tens.
E então ela disse-lhe:
E se te deixasses de conversa e me fodesses de uma vez?

Friday, May 8, 2009

Have a nice weekend...

As galinhas das vizinhas


De onde nos vem esse terrível sentimento da inveja? Olhar para as galinhas das vizinhas e perceber o vazio do meu galinheiro. Ou olhar para as minhas galinhas e perceber que os outros têm vacas.

Tuesday, May 5, 2009

The sorrow of love


The quarrel of the sparrows in the eaves,

The full round moon and the star-laden sky,

And the loud song of the ever-singing leaves,

Had hid away earth's old and weary cry.


And then you came with those red mournful lips,

And with you came the whole of the world's tears,

And all the sorrows of her labouring ships,

And all the burden of her myriad years.


And now the sparrows warring in the eaves,

The curd-pale moon, the white stars in the sky,

And the loud chaunting of the unquiet leaves

Are shaken with earth's old and weary cry.


W. B. Yeats

Friday, May 1, 2009

Pensamento du jour


Nunca tive tanta vergonha de ser portuguesa como hoje. Por cá, já nos fomos habituando a ficar à margem de tudo o que acontece no resto do mundo. Em tudo quanto é estatística, lá vamos nós, de gatas, atrás da velha Europa. E agora, para suprema humilhação, há infectados pela gripe A/H1N1 em tantas nações, incluindo a vizinha do lado, e nós, nada. Nem um caso para amostra. Já montamos os dispositivos e tudo, e a gripe chega a Vilar Formoso e decide não avançar. O México todo em casa, e nós, lá temos que nos levantar de manhã, metermo-nos em autocarros cheios de gente, e ir trabalhar. E nem uma mascarazinha verde a alegrar-nos os dias...

Vício

Saberás tu da vertigem
só o vício?

Logo no começo
o fim do precipício.

Maria Teresa Horta

Thursday, April 23, 2009

Grrrrr

A ficar seriamente IRRITADA com os palhaços que no debate da SIC continuam a defender a utilização de animais nos circos, transportados em atrelados, e a tortura de touros e cavalos em arenas. Só não escrevo aqui o que penso dessa gentinha porque detesto escrever palavrões...

Never give all the heart

Never give all the heart, for love
Will hardly seem worth thinking of
To passionate women if it seem
Certain, and they never dream
That it fades out from kiss to kiss;
For everything that's lovely is
But a brief, dreamy, kind delight.
O never give the heart outright,
For they, for all smooth lips can say,
Have given their hearts up to the play.
And who could play it well enough
If deaf and dumb and blind with love?
He that made this knows all the cost,
For he gave all his heart and lost.

William Butler Yeats

Tuesday, April 21, 2009

Despedida

«When, with a smile, she let the dirt slip slowly across her curled palm and out the side of her hand onto the coffin, the gesture looked like the prelude to a carnal act.»

Philip Roth

Friday, April 17, 2009

Foi há 40 anos



(música: Balada do 5º ano jurídico)

Tuesday, April 14, 2009

(ainda) sem título

Não devia nunca ter-se encontrado com ela nesse dia. Não devia ter-lhe prometido nada. Provavelmente, já deveria ter-lhe dito (não sem certa pena) acabou. Não dá mais. Mudámos, não sinto o mesmo por ti. Vamos parar por aqui. Não disse. Porque ela era como uma plataforma de segurança. Um ninho onde se regressa ao final do dia. Tinha um equilíbrio mental invejável, que de alguma forma se lhe transmitia e lhe servia de referência. A constância resignada do seu amor era um bálsamo de que ele não queria abdicar. E, ao mesmo tempo, ele sabia que poderia deixá-la quase sem um estremecimento, se assim decidisse.

Sai! Repetiu a mulher. Porque assim que ele se aproximou, a porta de casa ainda aberta atrás das suas costas, ela sentira o cheiro do quarto, da cama, dos braços da mulher onde estivera momentos antes. Não lhe apetecia chorar. Sou um cão, pensou. E envelheceu 40 anos.

Friday, April 10, 2009

selva

as tuas mãos
aranhas imóveis sobre a colcha
prontas a saltar
sobre o meu corpo contorcido
enredado na seda aço do desejo
_ a negra sombra do teu olhar.

Saturday, April 4, 2009

Marx substitui Maya no programa da Fátima


"Os donos do capital vão estimular a classe trabalhadora a comprar bens caros, casas e tecnologia, fazendo-os dever cada vez mais, até que se torne insuportável. O débito não pago levará os bancos à falência, que terão que ser nacionalizados pelo Estado."

Karl Marx, O capital, 1867

Friday, April 3, 2009

post escrito enquanto espero

auto-retrato: eu não sou baixa nem alta. mas sou magra. e morena. nem feia nem bonita. nem simpática nem antipática. introvertida, talvez. não gosto de comida indiana. gosto de pratos tradicionais portugueses que metam feijão ou grão e carnes e enchidos. achava que gostava de cães até passar a viver com um gato. eu não sou advogada estagiária. isso é o que eu faço, não o que sou. o meu sonho é tratar de idosos. gostava de ter rugas nos olhos, mas (ainda) não tenho. eu demoro muito tempo a apaixonar-me. eu demoro ainda mais tempo a desapaixonar-me. eu leio. muito. e escrevo, às vezes, em cadernos velhos e folhas soltas. depois rasgo. sou muito desarrumada. perco tudo o que é importante e guardo quilos de tralha inútil em caixas de sapatos. as pessoas dizem que tenho alma de velha. eu acho que apenas tenho um corpo demasiado jovem. eu sorrio muitas vezes, principalmente quando não me apetece. e é isto.

Thursday, April 2, 2009

Quantos barcos faltam?

Sentaram-se na areia e descalçaram os sapatos.
Puseram-se a contar pelos dedos os barcos
que faltariam para chegar o verão.

Nenhum deles falava. Tinham passado juntos
algumas noites, num quarto sem vista. E, embora
julgassem o contrário, não conheciam um do outro
muito mais do que isso.

Estavam ali sentados para ver se acontecia alguma coisa.

No verão
alguém viria forçosamente buscá-los.


Maria do Rosário Pedreira, A casa e o cheiro dos livros

Thursday, March 26, 2009

Thursday, March 19, 2009

Tenho a comunicar que estou um bocado chateada

Acho que já tinha dito aqui que sou contra o acordo ortográfico, basicamente porque os brasileiros não mudam quase nada e nós mudamos muita coisa. E eu não acho bem. Já me tentaram convencer de que o acordo não vai piorar em nada as nossas vidas quotidianas e que é resultado da natural evolução da língua, mas também ainda não houve ninguém que me explicasse por a+b que vantagens é que o acordo tem.
Mas, concordando ou não, as alterações vêm aí. E se eu acho que todos os que não concordam com o casamento homossexual têm que se calar e habituar-se à ideia, porque ele vai acontecer, devo ser minimamente coerente e obrigar-me a mim mesma a lidar com o acordo ortográfico, mesmo não concordando. Vai daí, fui ver como tenho que começar a escrever e descobri mais mudanças do que estava à espera. Se há algumas que não passam de uma ervilha debaixo de sete colchões (como escrever as estações do ano com letra minúscula), há outras que me deslocam o pâncreas (e estou a ser eufemística):

- O desaparecimento das consoantes mudas. Elas até podem ser mudas e eu sou uma leiga nestas coisas, mas quando a palavra afectivo passar a escrever-se afetivo eu NÃO PRONUNCIO O "E" DA MESMA MANEIRA!!! Na primeira pronuncio aberto e na segunda fechado. O mesmo acontece com factura, que passa a ser fatura. E que dizer do tecto? Passará a ser teto. Assim: "têto". Parece-me que isto pode ter implicações engraçadas... não sei.

- A supressão dos assentos em palavras paroxítonas ou graves com o ditongo "oi": a palavra bóia, passa a boia. Para mim, a boia é a mulher do boi. Ou será do bói? Da mesma forma, asteroide, heroico e joia. Tudo "jôia"!

- Atente-se na queda dos acentos das seguintes palavras:

dêem .... deem
lêem ..... leem
pára ..... para
pêlo ...... pelo
pêra ..... pera
pólo ...... polo

Sou só eu que sou estúpida, ou as da direita não se lêem da mesma forma que as da esquerda?

Alguém se importa de me esclarecer? Vá lá... ensinar os ignorantes é uma obra de caridade. E a mim têm tanto a ensinar-me que rapidamente ganharão o céu.



Dia do Pai

Não podia deixar de partilhar aqui a lição de vida de um pai muito especial: chama-se Dick Hoyt e forma equipa com o seu filho Rick em maratonas e triatlos (corrida, natação e ciclismo). Para isso, Dick teve que aprender a nadar. Tudo seria muito simples, se Rick não fosse portador de uma deficiência que o impede de andar e falar. Ele comunica através da escrita num computador. Um dia pediu ao pai para correr numa maratona. E desde aí, a equipa Hoyt nunca mais parou. Porque o próprio Rick diz: "Quando corro, a minha deficiência desaparece."


Wednesday, March 18, 2009

Redacção: A Primavera


A Primavera é a estassão perferida de muita gente. Porque na Primavera o tempo está bom, há flôres de muitas côres e as andorinhas vêm fazer os ninhos. Eu não gosto assim muito da Primavera, porque os pólens das flôres me fazem espirrar e põem os meus olhos vermelhos. Também não intereça que esteja bom tempo, porque não posso andar ao ar livre nem brincar na rua, tenho que estar a trabalhar no escritório. Na Primavera as pessoas andam muito apaichonadas e aqueles bichos que vivem nas pessoas, chamados ormonas, acordam da ibernação e estão cheias de energia para pular. Por isso, muitas pessoas que no Inverno tinham tempo para ir comigo ao cinema ou sair à noite, agora arranjaram namorado e nem atendem o telefone. As pessoas apaichonadas metem nojo. Eu não gosto da Primavera.

Sunday, March 15, 2009

Escre(ver-me)

nunca escrevi

sou
apenas um tradutor de silêncios

a vida
tatuou-me nos olhos
janelas
em que me transcrevo e apago

sou
um soldado
que se apaixona
pelo inimigo que vai matar

Mia Couto

Thursday, March 12, 2009

Sobre o post anterior

Em Espanha, as ONG, as instituições religiosas e qualquer pessoa que ajude imigrantes ilegais fica sujeito a uma multa que vai dos 501 aos 10 mil euros.
Não comento.

Sunday, March 8, 2009

Os nossos filhos

Falamos tanto da nossa crise... Esquecemos que quando deixamos de ter dinheiro para um carro novo ou para jantar num bom restaurante, há muito tempo que milhares de pessoas já deixaram de ter o que comer. Quando olhamos para o nosso futuro e pensamos no desemprego e em todas as coisas com que sonhamos e não vamos conseguir obter e pensamos em deixar o nosso país, a nossa casa, a família e os amigos para procurar os nossos sonhos fora de portas, não nos lembramos de todos aqueles que embarcam em qualquer coisa que flutue, com as suas crianças ao colo, na esperança entrar na Europa. E morrem ainda antes de chegar à praia.
Agora pensem que o dinheiro que os países europeus (sobretudo a Espanha) gastam tentando impedir que essa gente consiga atravessar a linha invisível da fronteira e em repatriamentos é suficiente para levar condições de vida e saúde a toda a África... Injusto, não é?
A nós não nos importa que para lá do Mediterrâneo, no grande continente africano, morram à fome e sem acesso aos mais elementares cuidados de saúde pessoas que são filhos, mães, pais, irmãos de alguém. Só torcemos vagamente o nariz quando os cadáveres vêm nas ondas, bater à nossa porta.


Saturday, March 7, 2009

Aniversário

Nesse dia, pensei que era eu quem acabava. Não tanto para que me não coubesse o papel de vítima, mais para envergar as vestes sacrificiais de heroína. Hoje sei que foste tu quem acabou. Na madrugada em que me negaste o beijo que te pedi.
E o céu limpo. E o cheiro amarelo das mimosas.

Man Ray

Tuesday, March 3, 2009

O pincel

Voltei das minhas belas e prolongadas e maravilhosas férias, pensando ingenuamente que aquele trabalho que implicava calcular as horas extra e o trabalho nocturno em dívida desde 1995 já teria sido distribuído a uma colega estagiária e, portanto, estaria mais que feito. Qual não é o meu espanto quando ontem:

Dra. B.: Quer trabalho? Mas ainda não fez o que eu lhe pedi antes do Natal...
Marta: Qual?! (oh-grande-merda!)
Dra. B.: O cálculo das horas extra do sr. fulano, lembra-se?
Marta: Ah... Nunca mais me lembrei... (Só tive pesadelos com números durante duas semanas)
Dra. B.: Pois, ele ainda aí está à sua espera. Portanto, mãos à obra.

E lá vim eu, de rabinho entre as pernas, com a calculadora da loja dos chineses em punho, ver quanto é que aquela gente deve ao homem. Folhas e folhas de registos de horas de entrada e horas de saída. Cada vez que faço as contas, para confirmar, dá-me um número diferente. Se eu fosse menos básica a matemática, talvez inventasse um equação ou algo assim para resolver isto mais depressa.

Só me apetece ganir.

Wednesday, February 25, 2009

Fim

Não, não é o fim deste blog (isso foi um suspiro de alívio ou de desilusão?). É o fim destas minhas férias que já duram há tempo demais. Vim para a terrinha no Natal e por cá fui ficando, na tentativa de organizar as ideias, recuperar o sono perdido e ultrapassar os 50 quilos de peso. Organizei ideias? Pá... não. Mas recuperei o sono. E ultrapassei os 50 quilos (eu sei, são só 500 gramas a mais, mas é assim que se começa). E tirei um curso, para enriquecer o CV. Nem tudo foi perdido.

No início, foi muito muito bom estar aqui sem nada para fazer, rodeada de silêncio, com a serra emoldurada na minha janela, livros e mais livros para ler, um sofá, uma lareira e uma manta. E a família, pois claro. E a boa comidinha. Mas tudo o que é demais enjoa, e o sossego passou a tédio, e a Dra. B. deve pensar que morri, porque não dou notícias há meses.

Portanto, segunda-feira lá estarei, fresca e fofa, para me apresentar ao trabalho, procurar outro part-time (as advogadas estagiárias também comem) e matar saudades dos autocarros dos SMTUC. E por causa disso estou numa ansiedade estúpida, simplesmente porque tudo o que implica mudança, ainda que seja para algo mais-que-conhecido, me deixa ansiosa. Entretanto, vou ali meter umas tralhas em caixotes para levar e já volto.

Tuesday, February 24, 2009

Porque tenho saudades tuas, Che

Hã???

Parece que a PSP apreendeu alguns exemplares de um livro sobre pintura que traziam na capa a reprodução d' "A origem do Mundo" de Courbet, por as considerarem pornográficas. Têm a certeza que não foi uma partida de Carnaval? Estamos em 1939? Salazar está vivo?

Thursday, February 19, 2009

Tens um cigarro?

Li num sítio qualquer que a solidão é tão prejudicial como o tabaco. Deve ser isso que explica esta tosse estranha que não me larga as noites. E o problema é que isto não vai lá com nicoretes.
Solidão
Um mar rodeia o mundo de quem está só. É
o mar sem ondas do fim do mundo. A sua água
é negra; o seu horizonte não existe. Desenho
os contornos desse mar com um lápis de
névoa. Apago, sobre a sua superfície, todos
os pássaros. Vejo-os abrigarem-se da borracha
nas grutas do litoral: as aves assustadas da
solidão. "É um mundo impenetrável", diz
quem está só. Senta-se na margem, olhando
o seu caso. Nada mais existe para além dele, até
esse branco amanhecer que o obriga a lembrar-se
que está vivo. Então, espera que a maré suba,
nesse mar sem marés, para tomar uma decisão.
Nuno Júdice, Pedro, lembrando Inês

Monday, February 16, 2009

O Cavaleiro e o Anjo



Porque o concerto de Sábado me fez relembrar Zeca Afonso...

Sunday, February 15, 2009

"Ser adulto é...

... ter uns pés que não crescem mais."
(Anónimo)

Tuesday, February 10, 2009



Esta manhã encontrei o teu nome nos meus sonhos
e o teu perfume a transpirar na minha pele. E o corpo
doeu-me onde antes os teus dedos foram aves
de verão e a tua boca deixou um rasto de canções.

No abrigo da noite, soubeste ser o vento na minha
camisola; e eu despi-a para ti, a dar-te um coração
que era o resto da vida - como um peixe respira
na rede mais exausta. Nem mesmo à despedida

foram os gestos contundentes: tudo o que vem de ti
é um poema. Contudo, ao acordar, a solidão sulcara
um vale nos cobertores e o meu corpo era de novo
um trilho abandonado na paisagem. Sentei-me na cama

e repeti devagar o teu nome, o nome dos meus sonhos;
mas as sílabas caíam no fim das palavras, a dor esgota
as forças, são frios os batentes nas portas da manhã.


Maria do Rosário Pedreira


(desculpem, mas esta poetisa tornou-se um vício...)

Wednesday, February 4, 2009

Pais???


Os progenitores das crianças portuguesas querem que o Ministério da Educação tenha as escolas do 1º ciclo abertas das 7h às 19h. Desta forma, podem ir despejar os petizes mal acordem, para só voltar a recolhê-los quando já estão a cair de sono. Espanta-me que não queiram também que a escola esteja aberta aos fins de semana, ou que os professores e auxiliares dêem o banho e o jantar aos alunos antes de os paizinhos os irem buscar. Afinal, criar um filho pode não dar assim tanto trabalho...
É claro que a grande maioria das pessoas precisa de trabalhar em horários que não se compadecem com as horas que uma criança de 6 a 10 anos deve passar na escola. Mas isso sempre foi assim: só que antes a professora era a segunda mãe, não a primeira ou a única. Os avós não estavam num lar _ estavam ao portão da escola para nos levarem para casa e nos darem pão com marmelada e nos contarem histórias. Os irmãos mais velhos tomavam conta dos mais novos. As crianças brincavam juntas na rua ou nos jardins, até um dos pais chegar a casa. Caíam, esfolavam os joelhos, partiam a cabeça, andavam à pancada... Mas ninguém processava a Câmara ou a escola. No máximo levavam um par de tabefes por não se terem portado bem. E eram geralmente felizes.
Hoje recebem brinquedos caros no Natal, nunca são repreendidos, na escola tudo tem que ser divertido, não se podem cansar, nem fazer trabalhos de casa, não ajudam a tomar conta dos irmãos, não ajudam a mãe a fazer bolos aos sábados, não sabem o que são os avós nem para que é que eles servem. Acordam aos 18 anos e não sabem quem são os pais, nem os pais sabem quem são os filhos.
E depois dizem que o que os traumatiza são as correcções a vermelho...

Texto escrito às escuras numa destas noites

Faltou a luz, por causa do temporal. Ficou tudo mergulhado na escuridão. Escrever à luz da vela é uma experiência quase macabra, principalmente se o vento bate com a força de um oceano contra a muralha granítica da serra e reflui em ondas por entre as copas das árvores. Dos alicerces da minha casa surge o crânio perfurado a tiro do primeiro empreiteiro. Ouço-o chorar lá fora, sentado no muro do alpendre, abanando os pés sobre a sua obra eternamente inacabada.
Queria que a luz voltasse. Medo que a vela se apague e me deixe cega outra vez, a tactear o caminho no imenso tédio de quem não vê. O medo de bater contra os móveis da casa, que aproveitam o escuro para nos rasteirar, colocando-se nos sítios mais extraordinários. Quando a luz regressar, voltarão num ápice ao seu lugar, assobiando inocências, de olhos no tecto.

Sunday, January 25, 2009

Cratera

O meu amor não cabe num poema- há coisas assim,
que não se rendem à geometria deste mundo;
são como corpos desencontrados da sua arquitectura
ou quartos que os gestos não preenchem.

O meu amor é maior que as palavras; e daí inútil
a agitação dos dedos na intimidade do texto-
a página não ilustra o zelo do farol que agasalha as baías
nem a candura da mão que protege a chama que estremece.

O meu amor não se deixa dizer- é um formigueiro
que acode aos lábios como a urgência de um beijo
ou a matéria efervescente dos segredos; a combustão
laboriosa que evoca, à flor da pele, vestígios
de uma explosão exemplar: a cratera que um corpo,
ao levantar-se, deixa para sempre na vizinhança de outro corpo.

O meu amor anda por dentro do silêncio a formular loucuras
com a nudez do teu nome- é um fantasma que estrebucha
no dédalo das veias e sangra quando o encerram em metáforas.
Um verso que o vestisse definharia sob a roupa
como o esqueleto de uma palavra morta. Nenhum poema
podia ser o chão da sua casa.

Maria do Rosário Pedreira, O Canto do Vento nos Ciprestes

Sunday, January 18, 2009

Quem o feio ama...(?)


Todos os contos infantis têm uma finalidade educativa. A moral da história tem que estar, explícita ou implicitamente, associada ao enredo. Quando era pequena, uma das minhas histórias preferidas era "A Bela e o Monstro". A ideia seria a de que não é a aparência monstruosa da pessoa amada que interessa, mas a beleza do seu interior. Por isso, a Bela se apaixonou pelo monstro, uma princesa qualquer beijou o Sapo e a Fiona se deixou levar pelo verde Shrek.

1ª questão: Porque é que em todas as histórias é o elemento feminino o abençoado com o dom da beleza e nunca o contrário?

2º questão: Porque é que, no final, eles só ficam juntos após a transformação do homem feioso em esbelto príncipe?
Na verdade, em "A Bela e o Monstro", ele virou um charmoso príncipe de aspecto nórdico, o sapo idem, e Shrek e Fiona decidiram que ambos permaneceriam no seu estado de ogres.
Porque era perfeitamente inconcebível, até na mente infantil, que uma mulher linda pudesse ser feliz para sempre com alguém que não fosse tão atraente como ela. Da mesma forma que não se concebe que alguma vez um homem belo possa sequer vir a apaixonar-se por uma sapa verde. Nem sequer em contos de fadas... E isso explica muita coisa.