Tuesday, March 29, 2011

A Jimi...


...parece saber sempre o que estou a sentir. Por isso é que hoje ainda não parou de me dar mimo. Ela e o homónimo, às voltas na aparelhagem.


decapitada ao fim da tarde

a minha cabeça tão longe das minhas mãos, flutuando num silêncio de óleo que não se mistura com a água da chuva e que a água da chuva só serve para aumentar. mas, dizia, a minha cabeça flutuando longe, e eu incapaz de a controlar, quis fechar os olhos para que neles ninguém visse o silêncio (que venha alguém fechar-mos com a palma da mão), mas os olhos teimaram abertos, dois poços de lodo viscoso esperando o descuido de um pé a escorregar neles, que o silêncio partilhado é um silêncio menor.

Monday, March 28, 2011

com a neura

1.porque ainda não parou de chover; 2.porque esta mudança de hora me buliu com o sistema; 3.porque tenho que estudar e tudo o que tenho para estudar é o cúmulo do desinteressante; 4.porque esturriquei ligeiramente o ombro de uma camisa que usei apenas uma vez, a tentar passá-la a ferro; 5.e porque ainda falta tanto para:

Saturday, March 26, 2011

Fecho os olhos à escuridão
que corre fora das janelas fechadas
as mãos com os teus beijos guardados
dentro de mim a luz
que os meus olhos sussurram
obscuros como tu dizes
o meu nome à flor dos lábios
do fundo da noite
da curva do chão do corpo
espiral ressoando o teu nome
no silêncio do meu coração
que encontra na solidão
a forma de estar contigo.

Hoje há (muito) bom cinema na 2

Há folgas que valem muito a pena. Hoje é noite de rever "A outra margem". Peguem nas mantinhas e, se sensíveis como eu, nos lenços de papel e enjoy!


Wednesday, March 23, 2011

Internacional do fetiche


abri o blogue, olhei rapidamente para a lista de outras paragens e achei que em "O caderno de Saramago" o título era "Internacional do Bondage". Por uma fracção de segundo fiquei animada. Afinal, depois do Dia Mundial do Orgasmo e do Dia Nacional das Zonas Húmidas, faltava um dia dedicado a um fetiche específico.

extinto

o incêndio aumentado no meu corpo crescendo no vendaval de loucura sobre a cúpula verde da minha juventude. vejo a resina perfumada e inflamável, escorrendo lentamente do golpe que a tua mão vibrou em mim, no fim do teu corpo, lenta chama azul de álcool ou brasa de torga retorcida. verdade funda de intimidade violenta: a minha pressa e o teu espanto, a minha vontade e os teus olhos feiticeiros adornados de penas que trazes para construir as asas do meu corpo, ave súbita de labareda, que logo logo torna à cinza: fénix ao contrário.

Tuesday, March 22, 2011

Ainda (e sempre) a poesia

Trago-te a rosa na ponta de uma espada.
Eu sou o enigma. Tu a decifração.
Por fabulosos signos a amada
É a tua máxima significação.

Deixa o dia desaparecer na curva
Das gaivotas que voam o que são
E devolve-te a ti em qualquer gruta
De carícias que abra a minha mão.

Deixa a noite escorrer até à alba
Do olvido da nossa duração.
E em meus braços aguarda que entreabra
A eternidade a chama da paixão.

Deixa em meu corpo teus dedos alumbrados
Serem o acorde da pura vibração
Da luz que em vertiginosa temporada
Nos prendeu à aragem deste chão.

Natália Correia

Monday, March 21, 2011

Dia mundial da poesia

Noite apressada

Era uma noite apressada
depois de um dia tão lento.
Era uma rosa encarnada
aberta nesse momento.
Era uma boca fechada
sob a mordaça de um lenço.
Era afinal quase nada,
e tudo parecia imenso!

Imensa, a casa perdida
no meio do vendaval;
imensa, a linha da vida
no seu desenho mortal;
imensa, na despedida,
a certeza do final.

Era uma haste inclinada
sob o capricho do vento.
Era a minh'alma, dobrada,
dentro do teu pensamento.
Era uma igreja assaltada,
mas que cheirava a incenso.
Era afinal quase nada,
e tudo parecia imenso!

Imensa, a luz proibida
no centro da catedral;
imensa, a voz diluída
além do bem e do mal;
imensa, por toda a vida,
uma descrença total!

David Mourão-Ferreira, in "À Guitarra e à Viola"

Friday, March 18, 2011

Wednesday, March 16, 2011

Monday, March 14, 2011

olha, olha!

"A Comissão Nacional de Estágio e Formação e a Comissão Nacional de Avaliação, após auscultação dos Conselhos Distritais, informam que foi designado o dia 29 de Abril de 2011 para realização da próxima prova escrita nacional do exame final de avaliação e agregação. "


E o que eu tenho a dizer a isso é

desenha-me

Vamos ser felizes numa folha de papel? Desenha a tua mão e a minha juntas no abrigo do bolso do teu casaco, e um sorriso cúmplice a dispensar todas as palavras. Desenha-me peixes escorregadios a fugir na corrente, e um dragão de fogo vermelho e grandes asas de pano _ tantas palavras que nos fogem ou que não temos a certeza se existem. Se as palavras nas nossas mãos, as nossas vidas sem medida, tão grandes...
Mas não te disperses, agora. Desenha-me a mim a ver-te dormir, sem me mexer, para que não abras os olhos e não desfaças as sombras das tuas pestanas sobre a face. Vamos ser felizes com flores no parapeito da janela da cozinha, uma rede no alpendre e a chuva mansa sobre a terra lavrada, o cheiro a maçãs e a canela entranhado nas madeiras e nas mantas de lã sobre o sofá. Inventa-me uma casa com uma escadaria de dois lanços, sete degraus cada um, um corrimão por onde eu possa escorregar quando a pressa ou a brincadeira me apanharem. Desenha-me um lago pequenino, com patos de pescoço surrealmente verde, pinta-o de azul, com lápis de cera, e ao lado nós, segurando nas nossas um par de mãos pequeninas.

A crónica

que Lobo Antunes publicou na Visão da semana passada (http://aeiou.visao.pt/tudo-o-que-cresce-precisa-de-muito-tempo-para-crescer=f593538) não é uma resposta ao que aqui escrevi sobre a escrita dele e a minha não-escrita. Mas eu gosto de pensar que sim.

Sunday, March 13, 2011

sabes,

Aumentámos a vida com palavras
água a correr num fundo tão vazio.
As vidas são histórias aumentadas.
Há que ser rio.

Passámos tanta vez naquela estrada
talvez a curva onde se ilude o mundo.
O amor é ser-se dono e não ter nada.
Mas pede tudo.

Natália Correia, in Poemas (1955)


Saturday, March 12, 2011

Trautear

Hoje é dia de limpezas. Avental, pano do pó e canções trauteadas a meia voz. Como esta:

Friday, March 11, 2011

bad hair and skin and face and body day

( Foto de Ida Wyman)

Tinha prometido a mim própria que iria aproveitar o tempo para ser menina, feminina, vaidosa, preocupada: fazer uma limpeza de pele, uma massagem, dar um jeito a este cabelo que não tem jeito nenhum, pôr as unhas nas mãos de uma profissional, organizar o roupeiro por cores. Ler revistas de beleza, beber dois litros de água por dia, comer frutas e legumes e dormir horas intermináveis.

Em vez disso, experimentei conduzir um camião, podei videiras, carreguei móveis, plantei árvores e li Cardoso Pires. O meu roupeiro continua um caos, as unhas por pintar, sinto toda a gordura do que comi acumulada debaixo da minha pele, certamente à espera do momento certo para se manifestar (um dia de muita luz, um grande espelho e TPM). E duvido que o vinho tinto que bebi seja o suficiente para diluir tantos lípidos.

Não fui menina, feminina, vaidosa, preocupada. Fui a desleixada, gulosa e saloia do costume. E agora estou ligeiramente arrependida. Será que se acender umas velas, puser os Sigur Rós a tocar só para mim e fizer uma máscara caseira ainda vou a tempo? Um dirty martini também ajudava...

bons sonhos...

Wednesday, March 9, 2011

Aprender a ler


A genialidade da escrita de Cardoso Pires, que a cada livro, a cada conto, a cada parágrafo me deixa abismada, deixou-me também com uma necessidade que já sentira, de certa forma, com muitos livros de Vergílio Ferreira, alguns de Lobo Antunes e de Miguel Torga, e quase todos os dos poetas que mais amo (Eugénio de Andrade, Ary dos Santos, Natália Correia, Maria do Rosário Pedreira): a de alguém capaz de me explicar o que não entendo, de me mostrar o que os meus olhos leigos não vêem nas entrelinhas, de me desfazer possíveis equívocos. Quanto mais leio, mais notório se torna que, de facto, não sei ler. E, enquanto não souber, não poderei escrever nunca.

piensa en mi...



Me encantas.

Sunday, March 6, 2011

Estou perdidamente apaixonada

(suspiro) pelo José Cardoso Pires que, depois da "Balada da Praia dos Cães"(suspiro), me deixou de quatro com os "Jogos de Azar" e "A República dos Corvos" (suspiro).

Quiet love

Antes de ir podar videiras com o meu pai, vim só aqui deixar esta pérola, oferecida pelo Zé, via FB. (merci, José!)

actualizações várias

Há dois dias que tenho sérios problemas em levantar-me da cama e dar uns passos até à casa de banho sem ficar entrevadinha para o resto da vida, e a culpa é do Fernando, que me pôs a correr 45 minutos à beira-rio: a mim, a pessoa mais preguiçosa deste mundo. Os únicos desportos que aprecio são a patinagem no gelo (e fico feliz por não existirem pistas em Portugal), e todos os desportos que possam incluir o Nelson Évora em fato de licra. Considerando que não tive dor de burro, morte súbita, cãimbras ou outras maleitas graves, proponho repetir a corridinha para a semana, para ver se tonifico este rabo sedentário.
As minhas intenções de estilo de vida saudável não passam apenas pelo jogging: a alimentação também é importante, pelo que hoje, pela fresca (gelada...), decidi ir à Feira do Queijo. Que para além de queijo da serra, bom pão e bom vinho tem ainda "ranchos folclóricos, bandas, balões em forma de coração e farturas a escorrer óleo", conforme me garantiu a minha mãe para me convencer a sair de casa. Não havia um único lugar para estacionar e caía uma chuva estranha misturada com gelo que me obrigou a desistir do queijo e das farturas e a vir para casa ser saudável e comer pão, queijo, chouriço e outros alimentos de elevado valor nutricional. Consta-me que amanhã o meu pai irá grelhar picanha, mal passada, como se quer, e mal posso esperar pela hora de almoço. A minha avó não lê o meu blog, ou estaria já a resmungar que a minha agressividade é da carne vermelha que eu como e a benzer-se perante o meu pecado guloso.
Já devia ter começado a estudar para o exame da OA, mas a verdade é que sem data marcada é impossível trabalhar. Quando marcarem a data, começo. E quando faltarem 3 dias é que vai ser a sério.
Também tive muita sorte nestes dias:
1) na caixa do supermercado do ti Belmiro, a senhora observa o meu talão e dá-me um PARABÉNS!! com tal entusiasmo e suspense que subitamente pensei: é um carro? uma viagem? um dia no SPA? _ Acumulou 5 euros em cartão por ter feito 500 euros em compras!(humpf!)
2) ía pagar 10,71€ por dois livros do Cardoso Pires e a menina informa-me que tenho 20€ acumulados em cartão e se não quero descontar 10€. Muito bom trazer dois livros para casa por pouco mais que um café. (Embora já tenha devorado os dois...)
3) sexta feira passada, ao acordar, a primeira coisa que me ocorreu foi jogar no Euromilhões. Eu nunca jogo, nem me lembro que tal coisa existe. Lembrar-me só podia ser sinal do destino. Mandei um sms ao meu irmão com a chave e disse-lhe que jogasse por mim. Não acertei nem um número... a sorte foi o meu irmão não ter jogado, fazendo com que ganhassemos 2€!
Também descobri que ganho mais a dobrar roupa que a livrar gente da prisão e que aquela vozinha interior que existe para nos avisar de que estamos prestes a tomar opções merdosas na vida deve ter morrido quando eu tinha 5 anos, daquela vez que eu meti os dedos na torradeira e apanhei um choque eléctrico.

Estava só a brincar!


Não me apetece acabar com o blog. Que só tem 6 seguidores. Que quase não tem comentários, mas que os tem bons. Que me dá a ler a algumas pessoas. Às que interessam, pelo menos, ainda que não se manifestem. E com quem me dá tanto prazer partilhar coisas estúpidas, fúteis, sérias e íntimas, por vezes, umas reais, outras ficcionadas. Música e poesia e arte e literatura de quem tem o dom de a fazer e que eu descubro por acaso ou, na maioria das vezes, pela mão dos amigos e de quem passa por aqui e, generosamente, as deixa.

Saturday, March 5, 2011

este blog

anda muito parado. Por isso, FIM.

Friday, March 4, 2011

(black and) blue

O dia tinha que pôr-se assim, chuvoso, sombrio, a concordar comigo que amanheci de negro sem querer acordar. Um bocadinho de mim a morrer todos os dias e a doer-me não sei bem onde_ cada dia que passa é um dia mais tarde, até ser tarde demais. Para tudo.
Uma voz na minha cabeça cheia de interrogativas, respondia-lhe se percebesse as perguntas que me faz ou se as respostas fizessem sentido. Mas assim fico calada, a chuva a teimar sem cair, lá fora. No ecrã da televisão os ensaios de triplo salto e de 400 metros e de lançamento de peso: fico por um momento presa aos movimentos dos atletas, o balanço, a tensão dos músculos, o voo e a queda, tudo tão certo e belo como a vida.
O meu coração um peso atirado para longe, chumbo com asas, a cair a pique, de repente, no relvado. Apanha-o, vá lá, segura-o na tua mão, tenta outra vez, fá-lo voar. Talvez um dia não caia e flutue no espaço, imune àquela força que atrai todos os corpos para o centro da terra.

Thursday, March 3, 2011

os loucos do costume

hoje apareceu-me no café, com toda aquela parafernália nas orelhas, o boné azul de pala levantada sobre a testa, com o seu ar onírico de quem nasceu pássaro. olhos de brilho hiperactivo, aproximou-se da minha mesa e fez algo surpreendente: levou a palma da mão à boca, juntou os lábios e atirou-me um beijo. atirei-lhe um de volta e sorri-lhe com todo o meu rosto. ele retribuiu e foi-se embora. vale a pena viver por isto.

Wednesday, March 2, 2011

Trivia


Há imensas coisas sobre o casamento que eu desconheço, como, por exemplo, como se convenciona quem dorme de que lado, na cama; a partir de quanto tempo é aceitável que um dos cônjuges lave os dentes enquanto o outro faz cocó (na mesma casa de banho) e quem é que tem o direito de ficar com o gato ao colo enquanto vêem televisão. E também não sabia que a cada ano de casamento corresponde um tipo de "boda". Achava eu que só existiam bodas de metais nobres como de prata, aos 25 anos, ou de ouro, aos 50.
Mas afinal, quem não se imagina a viver tanto tempo, tem outras bodas para festejar: acho deliciosas as de caramelo, ao 6º ano. Deve ser aquela fase em que o cônjuge ainda é doce mas tem defeitos terríveis, como colar-se aos dentes. Aos 10 anos celebram-se as de alumínio. Não é romântico, mas é útil, resistente, não enferruja e limpa-se com facilidade. Ao 14º são de marfim. Resta saber o quê... Um ano depois, as bodas são de cristal. Talvez seja pela transparência. Talvez seja pela facilidade em escacar-se irremediavelmente. Aguentando 40 anos de casamento, chega-se à preciosidade do rubi. E se, por hipótese, alguém se casa aos 20 anos e faz 95 ainda casado, é boda de platina. Nos joelhos, talvez. A essas, nunca chegarei. Mas só porque não me casei aos 20. E tenciono divorciar-me aos 90, para aproveitar um bocado.
Chegam as férias e corro para o gelo impiedoso da serra. Adivinho-o ao ver o brilho da neve por entre as negras fragas da montanha. A lâmina do vento ligeiramente romba onde o sol chega. Caminho devagar pelas ruas onde cresci. Aqui andava de bicicleta, trinta metros de recta alcatroada, uma volta no largo de terra batida, na altura rodeado por uma cerca de madeira pintada de branco. Ao alto, dois degraus de pedra onde costumavamos sentar-nos, em serões perfumados de Verão, eu tinha medo das carochas e do que via nos teus olhos quando repetíamos "morte sangue espíritos caveiras garras caixão". Mas a minha casa tinha uma cerejeira grande mesmo em frente, roseiras, narcisos em Fevereiro, um pessegueiro de jardim e uma japoneira de folhas lustrosas e camélias tardias como eu. Atrás, frente à janela do meu quarto, arredondavam-se pêssegos aveludados e a pereira do canto carregava-se, no Outono, de frutos compridos e escuros, que se desfaziam ao toque da língua. Nesta época, amanhava-se a terra para as sementeiras e os pássaros acorriam em busca de vermes retorcidos.
A minha casa foi vendida. Virão outros habitá-la, enchê-la novamente de vida. Cinco crianças, segundo soube. Talvez se chamem Marta, Zé, Filipe, Miguel, Pedro, António. Talvez haja uma Suzy de cabelos louros. Talvez descubram os segredos que escondemos em frestas de muro, talvez não se assustem com as carochas e roubem a fruta dos vizinhos e façam chover ao agitar as árvores. Talvez alinhem garrafas sobre o muro para afinar a mira das fisgas. Talvez matem um cão, sem querer. Talvez sejam tão felizes como nós.

terra natal

Passeamo-nos sob as magnólias, o sol de inverno tocando ao de leve a cera rosada das pétalas, ainda gélidas do assombro de uma madrugada grande de limpidez e silêncio. Tinhas uma pestana caída e eu colhi-a da tua face com a ponta dos dedos. E soprei-a para longe, sem a prender para pedir qualquer desejo, porque o desejo estava concretizado.