Friday, June 19, 2009

De pequenino...

Eu sei que sou uma saudosista, que não resisto a falar da minha infância de finais da década de oitenta como se a tivesse passado num paraíso. E qualquer pretexto serve para abordar (outra vez) o tema. Desta vez são as novas regras de segurança dos parques infantis: há que dizer que, actualmente, os parques infantis não têm gracinha nenhuma. Os escorregas são tão pouco inclinados que as crianças têm que se arrastar para chegar ao chão. Os baloiços consistem em bonecos de PVC apoiados em molas gigantes que permitem aos petizes balançarem 3 vertiginosos centímetros para a frente e para trás. E o chão é de um material suave e almofadado. Proibiram os escorregas em chapa metálica. E obrigam à colocação de barreiras físicas junto aos baloiços.
No meu tempo, brincávamos em parques cujo chão era em cimento. Ou gravilha. Os baloiços, quando não rebentavam, atirando-nos ao chão, serviam para tentar chegar o mais alto possível. Não eram necessárias barreiras físicas para evitar que uma criança levasse uma patada na cabeça, a alta velocidade. Todos nós, de uma forma ou de outra, tínhamos aprendido que passar perto de um baloiço, quando alguém o usava, era perigoso.
Havia um equipamento especialmente interessante: o caracol. Era uma coisa com dois ferros paralelos, unidos a espaços por barras trasnversais, concebida para trepar até cerca de 2m de altura. As mãos escorregavam? Sim. Se caíssemos, bateriamos contra os ferros e, finalmente, no chão de cimento? Sim. Por isso é que era fixe.
Os escorregas eram, sem dúvida, a melhor parte. Havia-os de madeira, na maioria bastante altos, velhos e ressequidos do sol. Quem escorregava espetava muitas vezes farpas nas pernas e nas mãos, que depois tirava com uma agulha. Mais tarde, vieram os de chapa de metal. Escorregavam muito bem e eram bastante inclinados. Em dias de calor, queimávamos o rabo. Mas aprendemos que o metal, quando exposto ao sol, aquece. MUITO.
Tinhamos os joelhos esfolados, as mãos cortadas, os narizes pintados de eosina. E éramos putos felizes. E desenrascados. E, já agora, tomem lá:

2 comments:

José said...

O sol estalava alto, a chapa mandava ondas térmicas. Depois de pelar 30% da coxa o baloiço cantava à brisa. O 'Mais e mais alto' era o desafio e o 'Caracol' não era para meninos... Um qualquer parque onde condicionam todas as probabilidades de entorces, queimaduras, traumatismos ou fracturas resume a diversão a uma espécie de piadinha ligeira e pouco focalizada - o perigo faz parte. Nao era um selvagem, mas partia vidros. Não era um puto agressivo mas mordia quando não mandava pedradas. Gatos a voar, caracois a estalar, paus secos contra cabeças, eram banalidades de mais um dia trivial onde a essência da coisa se consumia a si mesma, perfeita. Silvas e cobras, cães com raiva e muitos dentes, velhas sinistras sem eles? Peanuts! A infancia requer o arranhao que deixa marca, a marca dos pontos sobre o golpe, o golpe do gelo nas mãos brancas, o branco do algodão que para o tal arranhao traz paz. A existencia, como a infancia, é um ciclo...e nada melhor que entrar nele a correr.

marta said...

A infância é o tempo em que somos deuses. Castigamos cães inocentes (e vivemos depois com o remorso...) Afogamos formigas em copos de água, salvando misericordiosamente as que mais se esforçam. E toda a gente nos venera. Somos o deus Ganesh, apaixonado por pudins. São 11 da manhã, José, já nem sei o que estou práqui a dizer...