Friday, March 26, 2010

Eu amo (mais ou menos) Portugal

Em conversa com um amigo que se considera um cidadão do mundo, dizia-lhe eu que essa história de cidadania mundial é uma grande treta. Eu sou portuguesa de uma maneira tão radical que logo que saio de Vilar Formoso e entro em Fuentes de Oñoro deixo logo metade do coração para trás e começo a entristecer. Eu nunca viajei e não me importo assim tanto. Talvez ame tanto o meu país porque nunca vi os outros. Mas eu não sou daquelas pessoas para quem a nossa casa só existe quando estamos fora dela.
Emigrar, para mim, está quase fora de questão. E se, por acaso, agora se abatesse uma catástrofe de tais dimensões que me obrigasse a sair do país por comprometer a minha sobrevivência, como, para dizer assim uma coisa ao acaso, o Alberto João ser eleito primeiro ministro, só me via a viver num dos outros membros do "Club Med": Espanha (apesar de terem péssima comida), Itália (apesar do Berlusconi) ou Grécia (apesar de não apreciar homens de toga).

Há três razões fundamentais para eu gostar de Portugal:

1. A melhor gastronomia do mundo;
2. A língua mais bonita do mundo;
3. O clima mais equilibrado do mundo.

Tendo em conta que estamos no fim de Março e que desde Outubro que não vejo o Sol brilhar o dia todo, começo a pensar se compensa assim tanto viver em Portugal. Porque se é para passar semanas a pensar "O quê? Hoje também está a chover?? QUERO MORRER!!! A VIDA NÃO FAZ SENTIDO!" acho que prefiro mudar-me para um país cinzento qualquer do norte da Europa...
(Imagem da qual me apropriei indevidamente, mas sem intenção de a tornar minha)

Na cama com...

...Vergílio Ferreira:

"Deitada sobre a cama, noite de lua, ofegante. O lençol desce-te até ao ventre, na luz pálida que passa pela cortina transparente, vejo-te, estaco fulminado _"deita-te"_ , ergues um joelho sob o lençol, os dois seios nus pousados no peito, a mancha da face entre os cabelos escuros desalinhados. Rápido, destro, a urgência fina e funda, intenso, violentíssimo, o meu corpo erguido na noite, um clarão suave abrindo ao alto no teu quarto. Ágil, curvilíneo, plasmado às vagas do teu calor, massa densa e húmida, a humidade ressuma da íntima fermentação, lúbrico, lubrificável. Duro, reteso. Toda a violência da terra, mastigação vulcânica, laboriosa, do plasma original, apontada a ti, centrada massa endurecida irrompe, ameaça tensa como um dique de pressão crescente ó Deus, ó Deus, e como é belo um punho cerrado a cólera hirta de olhos estoirando no fundo de mim e a procura cega do mais absoluto exigente vigoroso a raiva, a raiva, arre! tu, máximo inacessível e tão perto _a invasão expande-se na onda de orgulho alta como o poder concreto de todas as forças conglomeradas, tomba, impacte brutal, alastra à babugem escumosa na praia aberta, efervescente vencida no trémulo cisco ainda esfervilhando ainda faúlha breve aqui e além no estertor do fim escorrida em baba e em choro reabsorvida na areia porosa da terra que recomeça..."

"Alegria Breve"

(Um cigarro)

Tuesday, March 16, 2010

Chonés

Quer queiramos, quer não, a RTP 2 é o único canal que presta verdadeiro serviço público: em vez de novelas passa boas séries a horas decentes, filmes excelentes que nunca passariam nos outros canais e espectáculos culturais a que o não-lisboeta não tem acesso. E não vale a pena virem com a conversa de que a RTP 2 é um canal pseudo-intelectual e/ou cara-de-cu.
Mas é no que respeita à programação infantil que a RTP 2 se destaca: em primeiro lugar, passa a Ovelha Choné à hora do almoço. E à tarde começou recentemente a emitir um programa pequenino mas que nos merece reflexão. Chama-se "Matemática 2" e provavelmente foi importado da China ou do Japão. Trata-se de colocar problemas matemáticos explicando-os com o recurso a imagens esquemáticas e exemplos do quotidiano. E destina-se a crianças... mas, infelizmente, não às nossas. Hoje falavam eles da utilidade dos registos estatísticos, em tabelas e gráficos, para saber, por exemplo, quando a máquina de uma fábrica de parafusos necessita de ser calibrada em centésimas de milímetro porque os parafusos não estão dentro das medidas definidas ou para decidir qual o melhor meio de transporte entre os pontos A e B tendo em conta as diferentes variáveis que os afectam. Eu tenho 25 anos e pareço um boi a olhar para um palácio, sem perceber nadinha. E os miúdos japoneses* vêem aquilo enquanto estão calmamente a comer cereais antes de irem para a escola. E fazem as contas de cabeça. Isso diz muito da educação no nosso país, em que não se passam trabalhos de casa aos meninos para não lhes cansar o cerebelo...

*A título de curiosidade: as crianças japonesas lêem em média 35,9 livros por ano...

Monday, March 15, 2010

Happy place

Não sei bem de onde me vem a necessidade constante de música de fundo, mas tenho quase a certeza que a culpa é do meu pai, que nunca tinha o auto-rádio desligado, gravava montanhas de cassetes com Queen, Dire Straits, Pink Floyd, Elton John e outros que tais, e me mandou aprender a tocar orgão quando eu ainda nem sabia distinguir a mão direita da esquerda. A verdade é que, só recentemente, quando a música me faltou, me apercebi de que ela foi um vício, desde toda vida: normalmente, antes de adormecer, deixo cuidadosamente o comando da aparelhagem junto à almofada, para que, ao acordar, consiga encontrá-lo sem precisar de abrir os olhos e carregar "on". Só a desligo quando saio de casa, depois de ligar o MP3, que só desligo quando chego ao carro e ligo o rádio. Até ao dia em que o rádio deixou de tocar e começou a deitar fumo. Morreu para não mais acordar. E conduzir se tornou praticamente impossível. Como estudar ou trabalhar sem música é impossível (estou perfeitamente convencida de que se não tive média de 15 na faculdade é porque nunca me deixaram estar a ouvir música enquanto fazia os exames).
E sempre que não há forma de contornar o silêncio e estou muito triste, ou cansada, ou revoltada, ou furiosa, há três cançonetas que (inexplicavelmente) me curam a alma e me fazem sentir no aconchego de um berço, embora não me lembre exactamente quando terei começado a ouvi-las:





Wednesday, March 10, 2010

Farewell

3
(Amo el amor de los marineros
que besan y se van.

Dejan una promesa.
No vuelven nunca mas.

En cada puerto una mujer espera;
los marineros besan y se van.

Una noche se acuestan con la muerte
en el lecho del mar.

4
Amo el amor que se reparte
en besos, lecho y pan.

Amor que puede ser eterno
y puede ser fugaz.

Amor que quiere libertarse
para volver a amar.

Amor divinizado que se acerca
Amor divinizado que se va.)

5
Ya no se encantarán mis ojos en tus ojos,
ya no se endulzará junto a ti mi dolor.

Pero hacia donde vaya llevaré tu mirada
y hacia donde camines llevarás mi dolor.

Fui tuyo, fuiste mía. Qué más? Juntos hicimos
un recodo en la ruta donde el amor pasó.

Fui tuyo, fuiste mía. Tú serás del que te ame,
del que corte en tu huerto lo quehe sembrado yo.

Yo me voy. Estoy triste: pero siempre estoy triste.
Vengo desde tus brazos. No sé hacia dónde voy.

... Desde tu corazón me dice adiós un niño.
Y yo le digo adiós.


Pablo Neruda,
Crepusculario (1920-1923)

Para sempre Vergílio


Em comentário a um post do Diaporese, escrevi:


"Depois de ler "Para Sempre" e de descobrir que o corpo de Vergílio estava sepultado num canto do cemitério dessa aldeia que sempre foi a sua, virado de frente para a Serra, tal como pedira, não resisti a procurá-lo. Encontrei a casa. E encontrei-o. Era Verão e o chão queimava, sentei-me na beira da campa rasa como na beira de uma cama acabada de fazer. Senti-lhe a presença de brasa incandescente sob as cinzas e pedi-lhe que me pusesse a mão sobre o ombro (tantas vezes me apeteceu essa mão sobre o ombro quando me perdia nos teus livros). Conta-me, Vergílio, diz-me o que vês. Permaneceu em silêncio, e no silêncio ouvi-o: olha, a enorme massa da montanha sob o céu carbonizado... Eu vi. Fechei os olhos. Já sei onde te procurar. A vontade de ficar aqui, para sempre."

21 de Janeiro de 2008 15:05


Quando escrevi isto, nunca tinha ido a Melo, nem nunca tinha visto a campa de Vergílio. Fui depois (contigo Zé, lembras-te?) e a surpresa foi nula, porque era como se já tivesse estado naquele cemitério dezenas de vezes. Não hesitámos sequer no caminho até à sepultura, fluímos para ela como se não houvesse mais nenhuma.

Lembro-me de ter pensado em como era curioso que um homem que passou toda a vida a afirmar aos gritos que a morte é um nada-nada, tivesse deixado escrito o desejo de ser enterrado de frente para a montanha... Sorri. Somos mesmo assim: Ternurentamente crédulos, apesar de apontarmos a nós próprios a arma da racionalidade, carregada de argumentos. Pólvora seca, talvez. Vou voltar a Melo, Vergílio. Já estou cheia de saudades.