Monday, May 23, 2011

diário

agora que se esgotaram as páginas do nosso caderno, já posso começar a escrever nas margens do teu corpo.

Saturday, May 21, 2011

tu

meu poema que não sei dizer
versos nus de pele incendiada
e um coração a rimar com o meu
cavalo de sangue à desfilada.

Monday, May 16, 2011

Tudo tem um lado positivo

[enxa]queca

mas, neste momento, as auras não me deixam vê-lo.


Vem brincar:

faz de conta que és uma criança e eu um balão flutuante, redondo, vermelho, atado ao teu pulso por um cordel. Não me deixes voar para longe, tenho medo da noite e do espaço. O espaço deve ser uma imensa solidão sem música. Não é lugar para um balão vermelho como eu.


Saturday, May 14, 2011

Rita

É a última noite e fizeram explodir no ar serenas flores douradas, que agora vejo de longe: atravessei para o outro lado do rio e da vida, já não tenho a capa sobre os ombros, nem os sapatos cheios de pó, nem choro a saudade antecipada de uma história que parece ter sido noutro século e parece ter acontecido noutro planeta. Nada disto perdeu a importância, ou o sentido, mas perdeu o tempo de fazer sentido. Para tudo existe um tempo, e aquele já passou. Vivi-o, assinei-o, recordo-o e guardo-o outra vez na gaveta.

As flores que explodem serenamente no céu nocturno não são tão belas como o teu sorriso, nem tão luminosas como o teu jeito de rainha, nem tão grandes como os teus braços capazes de abraçar o mundo _ o teu coração capaz de conter o mundo (e mais mundos houvesse). E o mundo dentro dos teus olhos tão sem impossíveis.

Nunca te disse (conforme nunca te disse tantas outras coisas) que os olhos da tua mãe me dão vontade de chorar por conterem tanta bondade. E que tens em ti a mesma ternura. Nem te disse que, quando Coimbra acabou, o que mais desejei trazer comigo para esta outra vida foste tu. Segurar-te com força nas mãos para não te perder nunca. E não te perdi, eu sei. Soube-o naquela noite em que fizemos desaparecer toda a gente à nossa volta, e restámos só nós as duas, e falámos de Deus, e chorámos. Sei-o de todas as vezes que ouço a tua voz e sinto que estendes os braços por cima da distância para me abraçar.

Quero dizer-te que também não me perdeste. Que nesta noite, mais do que em qualquer outra, penso em ti. E que a força que tenho é a mesma que tens. E só dá mais encanto aos nossos corações de manteiga. Mas isto já tu sabias.

Thursday, May 12, 2011

Ejaculação precoce: a solução

Hoje, em conversa de lava-loiça com a C., chegamos à conclusão de que, provavelmente, não haverá nada mais eficaz contra este problema masculino que a famosa "bruxa da tusa".



Já sabem: perante uma precocidade eminente gritem: POMBA GIRA!
Mas depois não se queixem se a festa ficar por aí...

Wednesday, May 11, 2011

Tinha de ser...

uma varanda sobre o mar ao fim da tarde, e a dança dos corpos (planos de luz interceptados)

"É, só eu sei, quanto amor eu guardei
Sem saber que era só pra você
É, só tinha que ser com você
Havia de ser pra você
Senão era mais uma dor
Senão não seria o amor
Aquele que a gente não vê
O amor que chegou para dar
O que ninguém deu pra você
O amor que chegou para dar
O que ninguém deu pra você

É, você que é feito de azul
Me deixa morar neste azul
Me deixa encontrar minha paz
Você que é bonito demais
Se ao menos pudesse saber
Que eu sempre fui só de você
Você sempre foi só de mim
Que eu sempre fui só de você
Você sempre foi só de mim"

Os 30 anos

sobre a morte de Bob Marley deixam-me a pensar em duas coisas:

1. Há pessoas que vivem jovens para sempre.
2. Já só faltam 3 anos para os meus 30... (humpf)

Sunday, May 8, 2011

Sunday, May 1, 2011

pas de pluie

prevista para Paris. Je suis très content. E penso fazer uma franja igual à da Françoise Hardy quand je reviens.

discurso ao príncipe de epaminondas, mancebo de grande futuro

Despe-te de verdades
das grandes primeiro que das pequenas
das tuas antes que de quaisquer outras
abre uma cova e enterra-as
a teu lado
primeiro as que te impuseram eras ainda imbele
e não possuías mácula senão a de um nome estranho
depois as que crescendo penosamente vestiste
a verdade do pão a verdade das lágrimas
pois não és flor nem luto nem acalanto nem estrela
depois as que ganhaste com o teu sémen
onde a manhã ergue um espelho vazio
e uma criança chora entre nuvens e abismos
depois as que hão-de pôr em cima do teu retrato
quando lhes forneceres a grande recordação
que todos esperam tanto porque a esperam de ti
Nada depois, só tu e o teu silêncio
e veias de coral rasgando-nos os pulsos
Então, meu senhor, poderemos passar
pela planície nua
o teu corpo com nuvens pelos ombros
as minhas mãos cheias de barbas brancas
Aí não haverá demora nem abrigo nem chegada
mas um quadrado de fogo sobre as nossas cabeças
e uma estrada de pedra até ao fim das luzes
e um silêncio de morte à nossa passagem

Mário Cesariny, in Manual de Prestidigitação

Domingo



Ontem não existiu o "sábado". E este domingo está longe de ser meu. Será por não beber superbock?

Saturday, April 30, 2011



vontade de ter na boca a terra molhada do teu corpo

Friday, April 29, 2011

Quando a esmola é muita...

Sabem aquela sensação de isto-correu-demasiado-bem-porque-me-pareceu-demasiado-fácil? É isso. Pergunto-me em quantas cascas de banana jurídicas terei escorregado. Desde que dê para o dez...

Já posso matar o Grilo Falante. Ou apenas mandá-lo com cuidadinho pela janela.

Wednesday, April 27, 2011

Little April shower

fazemos uma pausa no estudo para reclamar frontalmente contra uma descoberta de última hora: aquele Ser que manda nas condições climatéricas tem a distinta lata de me oferecer belos dias de sol, céu limpo e amenas temperaturas quando tenho que estar encarcerada a estudar para o exame de agregação, para depois mandar vir toda a chuva de Abril para o fim-de-semana, impossibilitando a minha permanência na esplanada do Tropical, sob pena de beber finos diluídos.


Não contente com tal castigo, obrigar-me-á a levantar voo com cerca de 18ºC, para me fazer aterrar na capital francesa com temperaturas abaixo dos 5ºC.


Pergunto-me quem terá subornado o Senhor do tempo para tais actos profundamente ilícitos. E acho que sei a resposta...

Já vos tinha dito que "Bambi" é dos meus filmes preferidos? E que saíu em DVD? E que faço anos em Agosto?

Tuesday, April 26, 2011

hoje, o que me apetecia mesmo

era juntar os amigos na garagem, à volta de umas febras, broa, vinho e tequila. E música sul americana buena para bailar e chatear los vecinos.



sim, Grilo Falante, vou já parar de dançar na sala e sentar-me a estudar.

(suspiro) contagem decrescente

(suspiro) avança, tempo!



quase me apetece dançar une valse a mille temps!

Monday, April 25, 2011

cumprir Abril



Só nesta pátria poeta que amo podia ter-se feito uma revolução com música em vez do estrondo das armas e o vermelho dos cravos em vez do sangue. A Liberdade de repente ao correr das ruas e das ondas de rádio, escancaradas as portas das prisões onde se amordaçavam as ideias, a voz devolvida ao povo por jovens fardados, ansiando a paz (penso isto e comovo-me até às lágrimas. Não há porque negá-lo). Dói-me que tanta gente esqueça. Dói-me que tanta gente despreze. Dói-me a liberdade tomada por garantida. Dói-me que haja quem esteja apostado em fechar as portas abertas por todos os que fizeram Abril. Porque, como em tudo, só daremos valor ao que temos depois de o perdermos.

Qualquer dia...

... será tarde. Vamos continuar a ser todos formigas no carreiro? Ou haverá quem se indigne e vá em sentido contrário?

Saturday, April 23, 2011

Presídio

Nem todo o corpo é carne... Não, nem todo
Que dizer do pescoço, às vezes mármore,
às vezes linho, lago, tronco de árvore,
nuvem, ou ave, ao tacto sempre pouco...?

E o ventre, inconsistente como o lodo?...
E o morno gradeamento dos teus braços?
Não, meu amor... Nem todo o corpo é carne:
é também água, terra, vento, fogo...

É sobretudo sombra à despedida;
onda de pedra em cada reencontro;
no parque da memória o fugidio

vulto da Primavera em pleno Outono...
Nem só de carne é feito este presídio,
pois no teu corpo existe o mundo todo!

David Mourão-Ferreira, in “Obra Poética”

voz da consciência

O Corpo esteve a pedir-me dança todo o dia. E, não fosse o Grilo Falante aos berros_EXAME DE HOJE A OITO!_tinha-lhe feito a vontade. Até amanhecer. Assim, seu Grilo chato, resta-me dançar só esta música, antes de afocinhar nas Práticas Processuais Civis.



cazz ai uóna teik iu dauntaaaauunn...!

Friday, April 22, 2011

Paixão

Para ressuscitar, há que morrer.

Thursday, April 21, 2011

Semana Santa

Três dias que foram de via-sacra: primeira estação _ o ESTUDO; segunda estação _a DESCONCENTRAÇÃO; terceira estação _ o ARREPENDIMENTO. Depois decidi que não tenho vocação para cristo de chagas abertas e fui afastar o cálice da amargura com o Cesariny, o amado Cardoso Pires, a Natália e o Eugénio (que saudades!).

Amor com amor se paga, e estes são amantíssimos: no sofá da sala, na varanda, na mesa da cozinha. A cama reservo-a para o Cardoso Pires: não o largaria se o corpo não me pedisse sono. E a "Mena" sentada ao fundo da minha cama, fumando sem parar, de camisolão pelos ombros. Às vezes tenho medo que se sinta ofendida por me ver invadir-lhe a vida. "Podias ser eu", digo-lhe, e ela abana a cabeça com ironia esmagando mais um cigarro no meu edredon. Deve estar a pensar que eu não tenho densidade suficiente para ser personagem de romance. E tem razão. Mas eu sou demasiado insignificante para que se dê ao trabalho de mo dizer.

julião os amadores

Já nada temos a fazer sobre a Terra esperemos de olhos fechados a
passagem do vento
dizia eu dizia eu
que é sobre a missa branca do teu peito que se erguem os palácios
rasos de água
no escuro no escuro
alguém nos levará tocando-nos com um dedo nós trémulos
deitados, sem dizer palavra, morreremos de ter-nos
conhecido tanto
e depois? e depois?
depois o halo de uma fita azul o martelo esquecido sobre a pedra
de um sonho
mas os salões? e a casa?
e o cão que nos seguia?

o teu rosto meu rosto
este homem alto
o Sol


Mário Cesariny, Manual de Prestidigitação

Sunday, April 17, 2011

de mãos dadas



Gracias a tu cuerpo doy
Por haberme esperado
Tuve que perderme pa'
Llegar hasta tu lado

Gracias a tus brazos doy
Por haberme alcanzado
Tuve que alejarme pa'
Llegar hasta tu lado

Gracias a tus manos doy
Por haberme aguantado
Tuve que quemarme
Pa'llegar hasta tu lado

feiticeira nua

A notícia da década

Irmã caçula diz:
a mãe disse uma asneira
ahahhahah

Marta diz:
ahahahahah
ahahahhahahahahahahah
a serio??
qual?

Irmã caçula diz:
merda

Marta diz:
xiiii!!
e pq disse?

Irmã caçula diz:
foi tão giro, eu e o miguel ficamos assim
disse assim: merda seca não agarra

Marta diz:
ahahahahahahhahahahahahaha


Isto é um VERDADEIRO ACONTECIMENTO FAMILIAR!

Saturday, April 16, 2011

Hoje acordei...

... a cantar aquela musiquinha do tapete mágico.
http://www.youtube.com/watch?v=D6pklv3LDiM&feature=related

Thursday, April 14, 2011

the inconsequential me



Há quem seja assim. Transparente. Invisível. Irrelevante. Hoje, fui eu.

Wednesday, April 13, 2011

Há palavras que nos beijam

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

Alexandre O'Neill, in 'No Reino da Dinamarca'

Sunday, April 10, 2011

Há bandas sonoras maravilhosas, não há?



Tu me acostumbraste
A todas esas cosas
Y tu me enseñaste
Que son maravillosas
Sutil llegaste a mi
Como una tentación
Llenando de ansiedad
Mi corazón.

Yo no comprendia
Como se queria
En tu mundo raro
Y por ti aprendi
Por eso me pregunto
Al ver que me olvidaste
Por qué no me enseñaste
Como se vive sin ti?

Saturday, April 9, 2011

pano para mangas...

Diz que a educação sexual embaraça pais e professores. Pois claro que embaraça: se os próprios pais e professores ainda precisam de educação sexual... afinal, ninguém dá o que não tem, não é?


Olha um vídeo tão giro!


Wednesday, April 6, 2011

Olga

Sempre fui assim, pequenina. Mas bonitinha, como ainda hoje sou bonita (modéstia à parte) porque faço por isso: vou ao cabeleireiro uma vez por semana, quando não estou no café, ponho umas madeixas diferentes no cabelo, ou um daqueles fiozinhos com pedrinhas brilhantes, a fazer lembrar gotas de água num fio de baba de aranha, ao sol. No meu cabelo abana cada vez que sacudo a cabeça e ninguém diz que tenho mais de cinquenta anos, que o cabelo disfarça as rugas do pescoço e os óculos de sol não deixam ver a idade dos meus olhos. E depois, um salto alto ajuda sempre uma mulher a não passar despercebida. Tenho até uma tatuagem no ombro, que é o símbolo do meu signo e toda a gente acha que é um V e um J, iniciais de um namorado qualquer. Podia perfeitamente ter trinta anos, e tenho mais garra que muitas miudas novas que para aí andam, como a Inês, aqui sentada à minha frente, com aquela palidez de morte na flacidez das bochechas (não entendo como tem uma cara tão gorda num corpo tão magro), todo o corpo dela mole, até a voz é mole, e as pálpebras devem pesar-lhe quilos sobre os olhos. Vai ter rugas num instante, deve ser por nunca rir e andar sempre vestida de preto, viúva de todos os homens que abandonaram a sua moleza precoce por outras mais viçosas. Odeia os homens com a mesma força com que eu os amei e necessita tanto deles como eu. De vez em quando um colega da faculdade manda-lhe uma mensagem a pedir apontamentos e ela toda alvoroçada _ o meu Nuno mandou uma mensagem! ou o meu Tiago, ou o meu Jorge Daniel. São todos dela, que não tem nenhum. E eu tive tantos, sem ser de ninguém. Estuda História, diz ela que é a ciência da memória. Eu nunca andei na faculdade, mas digo que ela devia era estudar o agora e não o ontem, e vestir umas cores mais bonitas. Assim, quando fosse comigo à Broadway às segundas-feiras, que é quando enche, não ficava de cigarro na mão, toda mole a um canto. Talvez algum preto a convidasse para dançar kizomba e ela pudesse ensinar ao Tozé, mesmo sem música, aqui na esplanada da "Caderneta", em vez de ficarem os dois a discutir coisas de reis mortos, quando a ela lhe puxa para ser professora e a ele se acaba o produto e decide matar a ressaca a cervejas.

Tuesday, April 5, 2011

primavera

(Ascensión, Doifel Videla)


Os dois homens abençoaram o ruído da água corrente, que ouviam algures para lá das figueiras à beira do caminho, ao final de uma tarde de Setembro, ainda poeirenta, ainda quente, mas o ar longe do vibrante do Verão, e de luz velada como um rosto sob as primeiras rugas. Subitamente, o caminho cortado por um fio de água, que um velho levava, com gestos de mágica, a percorrer as leiras cultivadas, uns socalcos mais abaixo. Pousando as bicicletas e levando os cantis, subiram com esforço o morro que lhes ficava à direita. Em frente, sob a escassa sombra dos castanheiros, uma represa guardava no seu regaço de terra e rocha a água que escorria da montanha. E, à superfície, dois ombros como duas maçãs e dois braços graciosos brincando danças com os verdes reflectidos. Pendurado num arbusto da margem, um vestido de alças. Ela não podia ter mais de 15 anos. A pele muito lisa, queimada do sol, e o cabelo escuro aloirado junto às têmporas, resultado de um longo verão de férias. Não os vira e levantara-se, torcendo o cabelo entre as mãos, exposta até ao púbis negro, entre as ancas de cetim, o umbigo represa da água que escorria dos seios apenas adivinhados na lisura do tronco. O sol poente fazia brilhar as gotas pousadas nas pestanas, nas sobrancelhas, e ela lambeu deliciada a água dos lábios, arroxeados de frio, voltando a mergulhar até ao pescoço. A sede dos dois homens era agora tão maior, que atiraram, a meia voz, do seu posto de observação _ menina, pode-se beber dessa água?_ surpreendidos que a voz saísse das gargantas em fogo. Ela mostrou-lhes um sorriso regular de branca inocência. E, sem mais, eles mergulharam na represa as mãos em concha.

Monday, April 4, 2011

A justiça não é para pobres!

(Esta foto respeita o acordo ortográfico)


Assoberbada com o excesso de candidatos à nobilíssima profissão de advogado (para mim nem mais nem menos que a de agricultor, embora este durma melhor à noite), a Ordem dos Advogados tentou, numa primeira fase, estancar a sangria das Faculdades de Direito deste país exigindo que os licenciados se submetessem a um exame de acesso ao estágio. Já antes tinha cortado aos advogados estagiários inscritos a possibilidade de serem nomeados defensores oficiosos ou de fazer escalas, com o argumento de que são incompetentes, mesmo após terem sido aprovados pela Ordem nos exames da Ordem, finda a fase de formação ministrada pela Ordem.


Agora, perante o "não" do Tribunal Constitucional ao exame de acesso, a Ordem delibera novos preços e emolumentos: os candidatos a advogado pagam, até ao final da primeira fase, €700 e, até ao exame de agregação, €650. Ter a cédula profissional não só vos vai custar 3 dos melhores anos da vossa vida, como ainda €1350. Pensem bem no que conseguiriam fazer com esse dinheiro. Pensem bem em quanto tempo e de quantas horas de trabalho numa loja de roupa/caixa de hipermercado/imobiliária/call center vão ter que fazer para o recuperar quando tiverem a nobilíssima profissão de advogado e não vos servir para rigorosamente nada. Têm a certeza de que se querem mesmo meter nisto? Ah, e não comprem toga! Nunca a vão poder usar e sempre poupam €200, que vos vão dar jeito para pagar as quotas.

Sunday, April 3, 2011

Eu sempre disse ...

... que queria ter um filho igual ao miudo do 0.01, mas o mais certo era saír a mandona do 0.37...

tear me apart...



Sam Riley é a sexyness total...

Saturday, April 2, 2011

requiem

Várias vezes conversei com o meu pai sobre aquilo que cada um de nós queria que fosse feito nos respectivos funerais. E isto não tem, nunca teve, qualquer tipo de morbidez associada _ para nós era normal falar do assunto, muito embora, como toda a gente, nos custasse pensar a morte do outro e não a própria. Cheguei a pensar que a necessidade de dizer como queria que as coisas fossem feitas se prendia com a minha necessidade de controlar tudo na minha vida, incluindo a morte. Mas à medida que me fui conhecendo percebi que o controlo é algo que, de certa maneira, desprezo. Vivo muito melhor sem ele. A organização do meu funeral não é senão uma actividade lúdica de horas mortas, que tem dado para boas conversas e sadias discussões. As minhas ideias foram mudando, ao longo dos anos. Tinha decidido que queria que lessem o capítulo 13 da I epístola de S. Paulo aos Coríntios :"Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse Amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine", mas desisti, porque Paulo estraga tudo mais à frente. E já mudei de flores preferidas mil e uma vezes: rosas brancas, cravos vermelhos, girassóis, camélias. Cheguei a dizer que queria levar um telemóvel carregado e com bateria, num caixão sem chumbo, por causa da rede, para poder ligar caso afinal estivesse viva, matando de susto a pessoa que atendesse o telefone. Mil e um pormenores. Mas faltou sempre o mais importante: a música. Toda a gente tem uma música que gostaria que fosse tocada no seu funeral, desde a Lacrimosa de Mozart (para os mórbidos) ao Goodbye my lover do James Blunt (aproveito já para avisar os meus amigos que escolherem esta última que se arriscam a que eu tenha um ataque de riso nos seus funerais, dada a pirosice da coisa).

Eu não consigo decidir que música é que eu quero para o meu. Podia ser uma pseudo-intelectual cara de cu e querer o Concerto #1 para piano, de Tchaikovsky. Ou alternativa e escolher uma coisa levezinha dos Sigur Ros. Ou brejeira e encomendar ao Quim Barreiros um requiem especial, com muito acordeão e que metesse palavras alusivas a enterro. Pressuponho que ainda tenho algum tempo para decidir, mas de pressuposições estão os cemitérios cheios. Há sugestões?

serpente

O meu corpo não precisa de música para esta dança tribal que vem de dentro da pele, dos músculos, dos nervos: tem o ritmo do teu sangue pulsando na polpa sensível dos meus dedos, a tua respiração no meu pescoço, qualquer coisa que ouço nos teus olhos e que a tua boca não ousa cantar.

Dança, meu corpo, que ninguém te vê, oculto nas sombras do quarto, e ninguém ouve o segredo musical estoirando por dentro de ti.

Dispo-me, novamente Eva antes do pecado, ornamento-me de penas de fantasia no cabelo, novamente animal antes de Eva, bicho da terra, rastejante, sibilino, sou eu a própria serpente dançando ésses em dunas que mudam de lugar (os tambores do teu sangue tão retumbantes nos meus tímpanos), não obedeço a ninguém, vim do deserto, de uma árvore, da corrente turva de um rio verde e sou a verdade da carne da terra da seiva da morte. profundamente viva.

Friday, April 1, 2011

wouldn't it be nice...

...to have enough space to do this at work's locker rooms?

Tuesday, March 29, 2011

A Jimi...


...parece saber sempre o que estou a sentir. Por isso é que hoje ainda não parou de me dar mimo. Ela e o homónimo, às voltas na aparelhagem.


decapitada ao fim da tarde

a minha cabeça tão longe das minhas mãos, flutuando num silêncio de óleo que não se mistura com a água da chuva e que a água da chuva só serve para aumentar. mas, dizia, a minha cabeça flutuando longe, e eu incapaz de a controlar, quis fechar os olhos para que neles ninguém visse o silêncio (que venha alguém fechar-mos com a palma da mão), mas os olhos teimaram abertos, dois poços de lodo viscoso esperando o descuido de um pé a escorregar neles, que o silêncio partilhado é um silêncio menor.

Monday, March 28, 2011

com a neura

1.porque ainda não parou de chover; 2.porque esta mudança de hora me buliu com o sistema; 3.porque tenho que estudar e tudo o que tenho para estudar é o cúmulo do desinteressante; 4.porque esturriquei ligeiramente o ombro de uma camisa que usei apenas uma vez, a tentar passá-la a ferro; 5.e porque ainda falta tanto para:

Saturday, March 26, 2011

Fecho os olhos à escuridão
que corre fora das janelas fechadas
as mãos com os teus beijos guardados
dentro de mim a luz
que os meus olhos sussurram
obscuros como tu dizes
o meu nome à flor dos lábios
do fundo da noite
da curva do chão do corpo
espiral ressoando o teu nome
no silêncio do meu coração
que encontra na solidão
a forma de estar contigo.

Hoje há (muito) bom cinema na 2

Há folgas que valem muito a pena. Hoje é noite de rever "A outra margem". Peguem nas mantinhas e, se sensíveis como eu, nos lenços de papel e enjoy!


Wednesday, March 23, 2011

Internacional do fetiche


abri o blogue, olhei rapidamente para a lista de outras paragens e achei que em "O caderno de Saramago" o título era "Internacional do Bondage". Por uma fracção de segundo fiquei animada. Afinal, depois do Dia Mundial do Orgasmo e do Dia Nacional das Zonas Húmidas, faltava um dia dedicado a um fetiche específico.

extinto

o incêndio aumentado no meu corpo crescendo no vendaval de loucura sobre a cúpula verde da minha juventude. vejo a resina perfumada e inflamável, escorrendo lentamente do golpe que a tua mão vibrou em mim, no fim do teu corpo, lenta chama azul de álcool ou brasa de torga retorcida. verdade funda de intimidade violenta: a minha pressa e o teu espanto, a minha vontade e os teus olhos feiticeiros adornados de penas que trazes para construir as asas do meu corpo, ave súbita de labareda, que logo logo torna à cinza: fénix ao contrário.

Tuesday, March 22, 2011

Ainda (e sempre) a poesia

Trago-te a rosa na ponta de uma espada.
Eu sou o enigma. Tu a decifração.
Por fabulosos signos a amada
É a tua máxima significação.

Deixa o dia desaparecer na curva
Das gaivotas que voam o que são
E devolve-te a ti em qualquer gruta
De carícias que abra a minha mão.

Deixa a noite escorrer até à alba
Do olvido da nossa duração.
E em meus braços aguarda que entreabra
A eternidade a chama da paixão.

Deixa em meu corpo teus dedos alumbrados
Serem o acorde da pura vibração
Da luz que em vertiginosa temporada
Nos prendeu à aragem deste chão.

Natália Correia

Monday, March 21, 2011

Dia mundial da poesia

Noite apressada

Era uma noite apressada
depois de um dia tão lento.
Era uma rosa encarnada
aberta nesse momento.
Era uma boca fechada
sob a mordaça de um lenço.
Era afinal quase nada,
e tudo parecia imenso!

Imensa, a casa perdida
no meio do vendaval;
imensa, a linha da vida
no seu desenho mortal;
imensa, na despedida,
a certeza do final.

Era uma haste inclinada
sob o capricho do vento.
Era a minh'alma, dobrada,
dentro do teu pensamento.
Era uma igreja assaltada,
mas que cheirava a incenso.
Era afinal quase nada,
e tudo parecia imenso!

Imensa, a luz proibida
no centro da catedral;
imensa, a voz diluída
além do bem e do mal;
imensa, por toda a vida,
uma descrença total!

David Mourão-Ferreira, in "À Guitarra e à Viola"

Friday, March 18, 2011

Wednesday, March 16, 2011

Monday, March 14, 2011

olha, olha!

"A Comissão Nacional de Estágio e Formação e a Comissão Nacional de Avaliação, após auscultação dos Conselhos Distritais, informam que foi designado o dia 29 de Abril de 2011 para realização da próxima prova escrita nacional do exame final de avaliação e agregação. "


E o que eu tenho a dizer a isso é

desenha-me

Vamos ser felizes numa folha de papel? Desenha a tua mão e a minha juntas no abrigo do bolso do teu casaco, e um sorriso cúmplice a dispensar todas as palavras. Desenha-me peixes escorregadios a fugir na corrente, e um dragão de fogo vermelho e grandes asas de pano _ tantas palavras que nos fogem ou que não temos a certeza se existem. Se as palavras nas nossas mãos, as nossas vidas sem medida, tão grandes...
Mas não te disperses, agora. Desenha-me a mim a ver-te dormir, sem me mexer, para que não abras os olhos e não desfaças as sombras das tuas pestanas sobre a face. Vamos ser felizes com flores no parapeito da janela da cozinha, uma rede no alpendre e a chuva mansa sobre a terra lavrada, o cheiro a maçãs e a canela entranhado nas madeiras e nas mantas de lã sobre o sofá. Inventa-me uma casa com uma escadaria de dois lanços, sete degraus cada um, um corrimão por onde eu possa escorregar quando a pressa ou a brincadeira me apanharem. Desenha-me um lago pequenino, com patos de pescoço surrealmente verde, pinta-o de azul, com lápis de cera, e ao lado nós, segurando nas nossas um par de mãos pequeninas.

A crónica

que Lobo Antunes publicou na Visão da semana passada (http://aeiou.visao.pt/tudo-o-que-cresce-precisa-de-muito-tempo-para-crescer=f593538) não é uma resposta ao que aqui escrevi sobre a escrita dele e a minha não-escrita. Mas eu gosto de pensar que sim.

Sunday, March 13, 2011

sabes,

Aumentámos a vida com palavras
água a correr num fundo tão vazio.
As vidas são histórias aumentadas.
Há que ser rio.

Passámos tanta vez naquela estrada
talvez a curva onde se ilude o mundo.
O amor é ser-se dono e não ter nada.
Mas pede tudo.

Natália Correia, in Poemas (1955)


Saturday, March 12, 2011

Trautear

Hoje é dia de limpezas. Avental, pano do pó e canções trauteadas a meia voz. Como esta:

Friday, March 11, 2011

bad hair and skin and face and body day

( Foto de Ida Wyman)

Tinha prometido a mim própria que iria aproveitar o tempo para ser menina, feminina, vaidosa, preocupada: fazer uma limpeza de pele, uma massagem, dar um jeito a este cabelo que não tem jeito nenhum, pôr as unhas nas mãos de uma profissional, organizar o roupeiro por cores. Ler revistas de beleza, beber dois litros de água por dia, comer frutas e legumes e dormir horas intermináveis.

Em vez disso, experimentei conduzir um camião, podei videiras, carreguei móveis, plantei árvores e li Cardoso Pires. O meu roupeiro continua um caos, as unhas por pintar, sinto toda a gordura do que comi acumulada debaixo da minha pele, certamente à espera do momento certo para se manifestar (um dia de muita luz, um grande espelho e TPM). E duvido que o vinho tinto que bebi seja o suficiente para diluir tantos lípidos.

Não fui menina, feminina, vaidosa, preocupada. Fui a desleixada, gulosa e saloia do costume. E agora estou ligeiramente arrependida. Será que se acender umas velas, puser os Sigur Rós a tocar só para mim e fizer uma máscara caseira ainda vou a tempo? Um dirty martini também ajudava...

bons sonhos...

Wednesday, March 9, 2011

Aprender a ler


A genialidade da escrita de Cardoso Pires, que a cada livro, a cada conto, a cada parágrafo me deixa abismada, deixou-me também com uma necessidade que já sentira, de certa forma, com muitos livros de Vergílio Ferreira, alguns de Lobo Antunes e de Miguel Torga, e quase todos os dos poetas que mais amo (Eugénio de Andrade, Ary dos Santos, Natália Correia, Maria do Rosário Pedreira): a de alguém capaz de me explicar o que não entendo, de me mostrar o que os meus olhos leigos não vêem nas entrelinhas, de me desfazer possíveis equívocos. Quanto mais leio, mais notório se torna que, de facto, não sei ler. E, enquanto não souber, não poderei escrever nunca.

piensa en mi...



Me encantas.

Sunday, March 6, 2011

Estou perdidamente apaixonada

(suspiro) pelo José Cardoso Pires que, depois da "Balada da Praia dos Cães"(suspiro), me deixou de quatro com os "Jogos de Azar" e "A República dos Corvos" (suspiro).

Quiet love

Antes de ir podar videiras com o meu pai, vim só aqui deixar esta pérola, oferecida pelo Zé, via FB. (merci, José!)

actualizações várias

Há dois dias que tenho sérios problemas em levantar-me da cama e dar uns passos até à casa de banho sem ficar entrevadinha para o resto da vida, e a culpa é do Fernando, que me pôs a correr 45 minutos à beira-rio: a mim, a pessoa mais preguiçosa deste mundo. Os únicos desportos que aprecio são a patinagem no gelo (e fico feliz por não existirem pistas em Portugal), e todos os desportos que possam incluir o Nelson Évora em fato de licra. Considerando que não tive dor de burro, morte súbita, cãimbras ou outras maleitas graves, proponho repetir a corridinha para a semana, para ver se tonifico este rabo sedentário.
As minhas intenções de estilo de vida saudável não passam apenas pelo jogging: a alimentação também é importante, pelo que hoje, pela fresca (gelada...), decidi ir à Feira do Queijo. Que para além de queijo da serra, bom pão e bom vinho tem ainda "ranchos folclóricos, bandas, balões em forma de coração e farturas a escorrer óleo", conforme me garantiu a minha mãe para me convencer a sair de casa. Não havia um único lugar para estacionar e caía uma chuva estranha misturada com gelo que me obrigou a desistir do queijo e das farturas e a vir para casa ser saudável e comer pão, queijo, chouriço e outros alimentos de elevado valor nutricional. Consta-me que amanhã o meu pai irá grelhar picanha, mal passada, como se quer, e mal posso esperar pela hora de almoço. A minha avó não lê o meu blog, ou estaria já a resmungar que a minha agressividade é da carne vermelha que eu como e a benzer-se perante o meu pecado guloso.
Já devia ter começado a estudar para o exame da OA, mas a verdade é que sem data marcada é impossível trabalhar. Quando marcarem a data, começo. E quando faltarem 3 dias é que vai ser a sério.
Também tive muita sorte nestes dias:
1) na caixa do supermercado do ti Belmiro, a senhora observa o meu talão e dá-me um PARABÉNS!! com tal entusiasmo e suspense que subitamente pensei: é um carro? uma viagem? um dia no SPA? _ Acumulou 5 euros em cartão por ter feito 500 euros em compras!(humpf!)
2) ía pagar 10,71€ por dois livros do Cardoso Pires e a menina informa-me que tenho 20€ acumulados em cartão e se não quero descontar 10€. Muito bom trazer dois livros para casa por pouco mais que um café. (Embora já tenha devorado os dois...)
3) sexta feira passada, ao acordar, a primeira coisa que me ocorreu foi jogar no Euromilhões. Eu nunca jogo, nem me lembro que tal coisa existe. Lembrar-me só podia ser sinal do destino. Mandei um sms ao meu irmão com a chave e disse-lhe que jogasse por mim. Não acertei nem um número... a sorte foi o meu irmão não ter jogado, fazendo com que ganhassemos 2€!
Também descobri que ganho mais a dobrar roupa que a livrar gente da prisão e que aquela vozinha interior que existe para nos avisar de que estamos prestes a tomar opções merdosas na vida deve ter morrido quando eu tinha 5 anos, daquela vez que eu meti os dedos na torradeira e apanhei um choque eléctrico.

Estava só a brincar!


Não me apetece acabar com o blog. Que só tem 6 seguidores. Que quase não tem comentários, mas que os tem bons. Que me dá a ler a algumas pessoas. Às que interessam, pelo menos, ainda que não se manifestem. E com quem me dá tanto prazer partilhar coisas estúpidas, fúteis, sérias e íntimas, por vezes, umas reais, outras ficcionadas. Música e poesia e arte e literatura de quem tem o dom de a fazer e que eu descubro por acaso ou, na maioria das vezes, pela mão dos amigos e de quem passa por aqui e, generosamente, as deixa.

Saturday, March 5, 2011

este blog

anda muito parado. Por isso, FIM.

Friday, March 4, 2011

(black and) blue

O dia tinha que pôr-se assim, chuvoso, sombrio, a concordar comigo que amanheci de negro sem querer acordar. Um bocadinho de mim a morrer todos os dias e a doer-me não sei bem onde_ cada dia que passa é um dia mais tarde, até ser tarde demais. Para tudo.
Uma voz na minha cabeça cheia de interrogativas, respondia-lhe se percebesse as perguntas que me faz ou se as respostas fizessem sentido. Mas assim fico calada, a chuva a teimar sem cair, lá fora. No ecrã da televisão os ensaios de triplo salto e de 400 metros e de lançamento de peso: fico por um momento presa aos movimentos dos atletas, o balanço, a tensão dos músculos, o voo e a queda, tudo tão certo e belo como a vida.
O meu coração um peso atirado para longe, chumbo com asas, a cair a pique, de repente, no relvado. Apanha-o, vá lá, segura-o na tua mão, tenta outra vez, fá-lo voar. Talvez um dia não caia e flutue no espaço, imune àquela força que atrai todos os corpos para o centro da terra.

Thursday, March 3, 2011

os loucos do costume

hoje apareceu-me no café, com toda aquela parafernália nas orelhas, o boné azul de pala levantada sobre a testa, com o seu ar onírico de quem nasceu pássaro. olhos de brilho hiperactivo, aproximou-se da minha mesa e fez algo surpreendente: levou a palma da mão à boca, juntou os lábios e atirou-me um beijo. atirei-lhe um de volta e sorri-lhe com todo o meu rosto. ele retribuiu e foi-se embora. vale a pena viver por isto.

Wednesday, March 2, 2011

Trivia


Há imensas coisas sobre o casamento que eu desconheço, como, por exemplo, como se convenciona quem dorme de que lado, na cama; a partir de quanto tempo é aceitável que um dos cônjuges lave os dentes enquanto o outro faz cocó (na mesma casa de banho) e quem é que tem o direito de ficar com o gato ao colo enquanto vêem televisão. E também não sabia que a cada ano de casamento corresponde um tipo de "boda". Achava eu que só existiam bodas de metais nobres como de prata, aos 25 anos, ou de ouro, aos 50.
Mas afinal, quem não se imagina a viver tanto tempo, tem outras bodas para festejar: acho deliciosas as de caramelo, ao 6º ano. Deve ser aquela fase em que o cônjuge ainda é doce mas tem defeitos terríveis, como colar-se aos dentes. Aos 10 anos celebram-se as de alumínio. Não é romântico, mas é útil, resistente, não enferruja e limpa-se com facilidade. Ao 14º são de marfim. Resta saber o quê... Um ano depois, as bodas são de cristal. Talvez seja pela transparência. Talvez seja pela facilidade em escacar-se irremediavelmente. Aguentando 40 anos de casamento, chega-se à preciosidade do rubi. E se, por hipótese, alguém se casa aos 20 anos e faz 95 ainda casado, é boda de platina. Nos joelhos, talvez. A essas, nunca chegarei. Mas só porque não me casei aos 20. E tenciono divorciar-me aos 90, para aproveitar um bocado.
Chegam as férias e corro para o gelo impiedoso da serra. Adivinho-o ao ver o brilho da neve por entre as negras fragas da montanha. A lâmina do vento ligeiramente romba onde o sol chega. Caminho devagar pelas ruas onde cresci. Aqui andava de bicicleta, trinta metros de recta alcatroada, uma volta no largo de terra batida, na altura rodeado por uma cerca de madeira pintada de branco. Ao alto, dois degraus de pedra onde costumavamos sentar-nos, em serões perfumados de Verão, eu tinha medo das carochas e do que via nos teus olhos quando repetíamos "morte sangue espíritos caveiras garras caixão". Mas a minha casa tinha uma cerejeira grande mesmo em frente, roseiras, narcisos em Fevereiro, um pessegueiro de jardim e uma japoneira de folhas lustrosas e camélias tardias como eu. Atrás, frente à janela do meu quarto, arredondavam-se pêssegos aveludados e a pereira do canto carregava-se, no Outono, de frutos compridos e escuros, que se desfaziam ao toque da língua. Nesta época, amanhava-se a terra para as sementeiras e os pássaros acorriam em busca de vermes retorcidos.
A minha casa foi vendida. Virão outros habitá-la, enchê-la novamente de vida. Cinco crianças, segundo soube. Talvez se chamem Marta, Zé, Filipe, Miguel, Pedro, António. Talvez haja uma Suzy de cabelos louros. Talvez descubram os segredos que escondemos em frestas de muro, talvez não se assustem com as carochas e roubem a fruta dos vizinhos e façam chover ao agitar as árvores. Talvez alinhem garrafas sobre o muro para afinar a mira das fisgas. Talvez matem um cão, sem querer. Talvez sejam tão felizes como nós.

terra natal

Passeamo-nos sob as magnólias, o sol de inverno tocando ao de leve a cera rosada das pétalas, ainda gélidas do assombro de uma madrugada grande de limpidez e silêncio. Tinhas uma pestana caída e eu colhi-a da tua face com a ponta dos dedos. E soprei-a para longe, sem a prender para pedir qualquer desejo, porque o desejo estava concretizado.

Sunday, February 27, 2011

The alternative "O" night

E se o "O" não fosse de Oscar, mas de "Ohhhh...!"? Categoria única: hottest in any role. E os nomeados são:
Johnny Depp

Clive Owen



Jonathan Ryhs Meyers





Gael Garcia Bernal


Javier Bardem

Votai, caros membros e membranas.

The "O" night

Eu sei que tinha prometido nunca mais dar a mínima importância a uma Academia que não entregou o óscar de melhor filme ao Babel. Mas é mais forte que eu: noite de óscares é noite de óscares. Não vou dar palpites. Não posso, porque não vi todos os filmes nomeados, e estaria a ser muito injusta. Mas vou dizer por quem vou torcer esta madrugada, se conseguir não adormecer irremediavelmente durante a atribuição dos óscares nas categorias técnicas:

Iñarritu devia ganhar uma estatueta por "Biutiful", na categoria de melhor filme estrangeiro. Já fez coisas bastante melhores, é verdade: Babel, Amor Cão, 21 gramas. Sou uma fã incondicional do seu trabalho. Intrincado, duro, difícil de digerir, mas que fica na nossa cabeça tanto tempo depois de acesas as luzes da sala. Iñarritu vai ser sempre o meu realizador preferido.


E em "Biutiful", o desempenho de Javier Bardem é tão absolutamente brilhante, que não consigo imaginar mais ninguém a sair vencedor como melhor actor. Além disso, como é que eu não iria torcer pelo Bardem? (hot hot hot)

Devo dizer, no entanto, que os pequenos actores que são filhos de Bardem em "Biutiful" também deviam ser fortemente premiados. E a gaja feiosa mas muito talentosa que faz de ex-mulher.


Como melhor actor secundário, faço figas pelo Christian Bale. O homem é um camaleão. Basta.


Apesar de Melissa Leo ser a grande favorita ao Óscar de melhor actriz secundária, preferia que ganhasse a estranhíssima Helena Bonham Carter. Por isso mesmo: a estranheza.


Natalie Portman vai ser oscarizada pelo desempenho em Black Swan. E acho muito bem. A interpretação dela é o que o filme tem de melhor.


Este ano não tenho favorito na categoria de melhor filme. Nem me apetece torcer por nenhum. É da maneira que não me decepciono.


E porque é que o Tchaikovsky não é candidato à categoria de melhor banda sonora? hein??








Saturday, February 26, 2011

Auto-retrato

Espáduas brancas palpitantes:
asas no exílio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis
.

Natália Correia

going out tonight, baby!

Friday, February 25, 2011

magnólia


"A beleza é uma forma de justiça, quando já não existe justiça possível, é uma forma de alívio, quando já nada no mundo te alivia."



Angélica Liddell

Thursday, February 24, 2011

depois disto:

http://aeiou.visao.pt/inverno=f591551

como é que eu posso dizer que escrevo?

Sunday, February 20, 2011

por amor

_ Nunca desejei a morte a ninguém _ disse ele_ mas ultimamente desejei-lha.
_ Por amor...
_ Sim.
Então chorou. E eu com ele.

cisne negro

O que nos mata (ou nos impede de viver, que é o mesmo) é essa imagem de nós próprios que cravamos fundo nas entranhas e um dia nos fará esvair em sangue quando acordarmos e percebermos que não era verdadeira, de tanto ignorarmos os subtis avisos de um restolhar de asas.
Já agora: podem fazer mil e um filmes. Dançá-lo todas as noites, em todos os palcos do mundo. Pyotr Ilyich Tchaikovsky não perde a grandeza.


Saturday, February 19, 2011

brutal hearts



Do melhor que ouvi nos últimos tempos... (Thanks, Blanket! Ou, como diz a outra: sanks!)

Wednesday, February 16, 2011

de pequenino...

Ao analisar os vídeos que o meu tio fazia nas festas de família há uns anos atrás, descobri que, em qualquer ocasião, tivesse eu todos os dentes ou não, fizesse frio ou calor, estivesse em minha casa, no restaurante ou num quarto de maternidade em visita a mais um primo novo, eu estava sempre a fazer a mesma coisa: comer. Nos raros momentos em que isso não acontece, estou a ser simplesmente parva. A minha infância moldou definitivamente a minha personalidade adulta...


Esta foto foi tirada no início da festa, quando ainda não tínhamos começado a comer, e mesmo assim nota-se claramente o meu esforço para manter as mãos longe das sandes de mortadela.

A propósito, OLÁ pessoas que aparecem com barras pretas nos olhos! Vejam como protegi a vossa imagem!

you you you...

Tuesday, February 15, 2011

fada do lar


Devia ter entrado em modo estudo há uma semana, mas só devo começar hoje à noite. Antes disso, tenho tantas coisas para organizar que não sei sequer por onde começar. A organização precisa de listas. De prioridades. De disciplina (tão difícil...). E eu não posso começar a estudar sem:


1. Aspirar, limpar o pó e arrumar a sala.

2. Lavar a louça, as bancadas, o fogão, o microondas e o chão da cozinha.

3. Pensar em qualquer coisa para o jantar.

4. Aspirar o corredor e a casa de banho.

5. Fazer a cama, arrumar os quilos de roupa espalhados pelo quarto, limpar o pó e aspirar.

6. Lavar peças delicadas à mão.

7. Deitar o lixo fora.

8. Lanchar.


E perguntam vocês, leitoras disciplinadas cujas casas cheiram bem, cujo tempo chega para tudo, conseguem estudar enquanto fazem fricassé para 10 pessoas e ainda parecer sexys e ter as unhas pintadas: não achas que já devias ter começado às 9 da manhã? Sim. Mas não sou suficientemente disciplinada. Talvez consiga começar a estudar amanhã. Se ainda conseguir fazer tudo isto hoje. O pior é que a minha gata acaba de dar uma bufa e isso não ajuda a que a minha casa cheire melhor.


entrega

aceita a prata que a manhã derrama sobre o rio. o voo elíptico das gaivotas à flor das águas. os círculos concêntricos das gotas de chuva nos charcos azuis, expandindo-se como o meu sexo sob o teu corpo.
aceita os meus lábios. e a polpa redonda dos frutos à sombra das folhas. o cristal da neve rangendo sob os teus pés e as núvens aumentando precipícios verdes.
aceita o sol pousando doce no ouro das acácias.
aceita os meus braços sobre os teus ombros.
aceita a música, a magia, uma súbita flor numa fresta do muro.
é tua a face rosada do céu encostada à noite que chega das montanhas e é tua a lua de agosto e as estrelas que chovem, oferecendo todos os desejos.
é tua a minha liberdade, a minha juventude, a escuridão dos meus olhos. dou-te a minha vida a beber das minhas mãos em concha.
sou eu. é pouco. mas é teu. aceita.

Wednesday, February 9, 2011

àquele cibernauta...

... que chegou aqui através da pesquisa "porque acordamos com os olhos remelosos": não sei bem qual a explicação científica, mas creio ter a ver com a produção de lágrimas natural que ocorre enquanto dormimos, sendo que elas secam nos cantos dos olhos, formando sedimentos, que são as remelas. Da mesma forma, quem dorme com a boca aberta, acorda com sedimentos de baba secos no canto da boca. Se, por acaso, acordou com os olhos colados por ter muita remela nas pestanas, provavelmente tem uma conjuntivite. Lave os olhos com água morna e dirija-se ao seu centro de saúde.

brilhante

Tuesday, February 8, 2011

Padaria Pastelaria "A Caderneta"

O café da minha rua podia perfeitamente chamar-se assim, tal é a quantidade, diversidade e qualidade de cromos que por lá param.
Há o bêbedo sempre a cravar moedinhas para mais um copito de branco ou de bagaço, ou o que houver. Que não é ecologista, diz ele, mas acha mal que se matem as árvores e as oliveiras para fazer notas, quando as moedas chegam muito bem.
Há um rapaz muito novo e já sem dentes, de tanto dar nas drogas, que chega, pede, come, e no fim declara com a maior lata deste mundo que não tem dinheiro para pagar. Ao responso do empregado, encolhe os ombros e diz com voz de Eduardo Sá: pensava que já tínhamos ultrapassado essa fase.
Na mesa do canto, as três marias, pão nosso de cada dia, chova ou faça sol, sempre depois do almoço. Cada uma com seu talento: uma faz conjuntos completos de crochet rosa choc ou azul turquesa, outra tem a capacidade extraordiária de parecer uma tartaruga, com o seu pescocito enrugado, esticando a cara em direcção ao sol, e a terceira, toda vestida de preto, é bem capaz de concentrar em si todo o azedume do mundo contra o bicho homem e o homem bicha.
Um dia, escreverei mais detalhadamente sobre cada um. Quando tiver tempo de me deixar ficar a ouvir atentamente as conversas das mesas do lado.

pronto. já está.

Admitida a exame. Não percebo bem como: por esta altura, alguém na OA já devia ter percebido que me falta, no mínimo, idoneidade mental. E já deviam ter agido em conformidade. Agora só me resta passar no exame. Vou entrar em modo estudo. Amanhã ou assim...

Monday, February 7, 2011

Direito ao Sexo

Esta notícia (http://aeiou.visao.pt/tribunal-impede-homem-com-qi-muito-baixo-de-fazer-sexo=f589013) relembrou-me uma questão que coloquei num debate sobre os direitos dos cidadãos com deficiência, numa excelente conferência da Faculdade de Direito de Coimbra: toda a gente fala dos direitos à habitação, ao trabalho, à mobilidade, à não discriminação. Mas e os direitos de auto-determinação sexual das pessoas com deficiência? Na altura defendi mesmo o acesso dos deficientes aos serviços de profissionais do sexo, como forma de evitar frustrações e abusos sexuais no âmbito, por exemplo, de instituições de acolhimento. É muito fácil dizer que os deficientes têm, como todos nós, direito à sua auto-determinação sexual num sentido negativo, ou seja, o de não ser sujeito a práticas sexuais contra a sua vontade. Mas quando se fala num direito sexual positivo, já há silêncios embaraçados e ombros em acento circunflexo. A pulsão sexual dos cidadãos com deficiência, seja esta motora ou mental, continua a ser ignorada e escondida por todos nós. E esta decisão de um tribunal britânico vem demonstrar o quão longe estamos, na "evoluída" Europa, de garantir que os cidadãos com deficiência tenham a efectiva oportunidade de desenvolver todas as dimensões da sua personalidade. Nem sequer vou discutir aqui se é legítimo determinar quantitativamente a capacidade intelectual humana, ou se essa determinação nos pode garantir a consciência dos próprios actos, ou mesmo se a questão aqui foi a de o sujeito manter uma relação homossexual.
O que acho é que está mais que na hora de a sociedade pensar este tema a sério, sem falsos moralismos e paternalismos estúpidos, em vez de gastar horas a discutir futilidades.

Tuesday, February 1, 2011

para nós, que falamos demais

" [...]

o que verdadeiramente me dói são os silêncios
que nunca habitamos do mesmo lado
porque o silêncio só pode ser partilhado
com aqueles que amamos até à loucura
só ele é a dádiva perfeita que não pede mais nada
a não ser um mesmo lugar para deitar a cabeça
e esperar que a madrugada lentamente desfaça
todos os segredos e nada mais seja preciso
para voltarmos a ter vinte anos mesmo que
os vinte anos tenham morrido para sempre
na cidade em chamas

[...]"

Alice Vieira, Cinco breves momentos de Maio

Como aquelas andorinhas de barro que se penduram nos alpendres


Hoje acordei triste por não ser mais morena, por não ter o cabelo bonito e a pele perfeita, por ter um olho ligeiramente mais pequeno que o outro, por ter mãos demasiado grandes e mamas demasiado pequenas. Por não gostar de usar pulseiras, e adorar colares fininhos com a palavra LOVE em letras douradas. Por não saber andar de saltos altos e encolher os ombros quando me falam em estilo. Por preferir ficar no sofá a jogar Trivial a uma sexta à noite em vez de saír até de manhã. Por ler o que mais ninguém gosta, por chorar no cinema e só gostar de filmes que são murros no estômago, por passar tanto tempo sozinha e aborrecer-me quando estou acompanhada. Depois sentei-me numa mesa de café e imaginei-me outra. E se eu fosse uma estranha para mim, eu iria certamente achar-me, no mínimo, curiosa. Para além de que as coisas (e pessoas) feias têm uma beleza muito especial. O Vergílio Ferreira sabia isto muito bem e disse-o em "Na tua face". Há algo de subterraneamente belo em tudo o que é feio. E o Vergílio era belíssimo.

Sunday, January 30, 2011

let's look at the trailer

Há anos à espera de mais outra pérola dessa ostra chamada Iñarritu. Cá está ela. Redonda, nacarada. E com o Javier Bardem lá dentro. Mal posso esperar para ver.


fechada no quarto

à conversa com o Jeff. a voz dele entra-me pelos poros e é maravilhoso e assustador. o escuro é tudo o que me apetece, enquanto espero no fogo.

Saturday, January 29, 2011

um sábado à tarde em 1996

Em 1996 eu ainda tinha dentes de leite a querer cair. E a minha ocupação principal dos sábados à tarde era ouvir música. Só. Sem fazer mais nada. Por essa altura acabou-se o reinado do "Best of Jimi Hendrix" a tocar ininterruptamente no leitor de CD's do meu irmão, porque eu tinha recebido, no Natal, o meu primeiro CD: "Jagged Little Pill", da Alanis Morissette. Lembro-me desse presente com mais nitidez do que de qualquer outro porque, dos dois pedidos que alguma vez fiz aos meus pais de presentes de Natal, foi o único que eles me satisfizeram. O outro foi uma pista de carros (vivo até hoje traumatizada).
O álbum trazia uma coisa absolutamente fantástica: o livrinho com as letras das canções. Em boa hora. Em 1996, e graças à Alanis, melhorei substancialmente o meu Inglês. E tudo porque arranjei um caderninho onde, com muita paciência, ía traduzindo, com a ajuda do dicionário, a letra de cada canção. Se os meus pais soubessem as ideias que esse álbum trazia dentro, ter-me-íam dado a pista de carros dos meus sonhos.
E devo acrescentar que, ainda hoje, acho que não há uma única faixa do álbum que não seja excelente.






fim de semana e do estado febril

estou... contente!!

Friday, January 28, 2011

estado febril


Só Matisse poderia retratar-me com todas as cores da febre.

Wednesday, January 26, 2011

Dia mau

A Ordem dos Advogados não me admitiu a exame. E mandou-me uma cartinha para me dizer que tenho 15 dias para reformular a minha apresentação de tema de discussão oral. A Ordem dos Advogados deveria ter recusado a minha inscrição. E a Faculdade de Direito nunca deveria ter-me deixado entrar. Juntas, teriam poupado oito anos da minha vida.
Vontade de reformular o trabalho alterando o tema para: "Da criminalização de actos administrativos responsáveis pela desgraça da vida do cidadão ou como a OA me f*#&%$ a vida".

sonho de uma noite de inverno ou as portas fechadas

Corri para chegar a ti. Saltei todos os muros, arrombei todas as portas, percorri em pânico escadarias labirínticas. Sabia que me esperavas e não podia atrasar-me. Mas tudo eram obstáculos. Tantas pessoas se atravessaram no meu caminho: seguraram-me, atrasaram-me, tentaram distrair-me, demover-me. Eu não quis ver ninguém, quis-te a ti e corri corri sempre. Não cheguei. Acordei. Porque te ouvi chamar-me pelo nome e sussurrar: estou aqui.

Tuesday, January 25, 2011

Brincadeira

(Man Ray)


O meu corpo O teu corpo
O meu corpo e o teu corpo
Corpoacorpo
O meu corpo é o teu corpo
Os Corpos
Um Corpo
O Arrepio

Sunday, January 23, 2011

the eternal sunshine of you in my mind

E se um louco quisesse apagar-te da minha memória? Morreria a tentar, sem nunca conseguir...

Saturday, January 22, 2011

Estou outra vez

a atravessar um dia muito escuro. E não há nem uma palavra em parto difícil. Nem masturbação intelectual que me valha.

Friday, January 21, 2011

Purificação

Vivia numa quinta por cima da dos meus avós. Sempre lá viveu e continua a viver, até hoje. Mesmo que já não em forma de pessoa, mas de chão ou arbusto ou rochedo. Era uma mulher maciça mas ágil, tinha a compleição forte de quem arrancou à terra tudo o que precisou para viver e no rosto as marcas do nascer do sol e de uma sabedoria ancestral, que transcendia tudo. Conhecia a lua e as suas influências, parecia capaz de falar com os animais e as curvas dos caminhos, foi ela quem me ensinou que os lagartos subiriam um dia pelas minhas pernas, sedentos de sangue, sabia histórias verdadeiras de bruxas e almas e gente boa que era ponte entre este mundo e o outro, e a voz dela continha serra, rochas, neve, rosmaninho e figos maduros. Um dia, vendo-me comer deliciada um queijo fresco, declarou-me que o tinha feito com as mãos cheias de sangue. E era verdade, como tudo nela. Sangue e coração e afecto e flor de cardo, à mistura com o leite, a escorrer com o soro pelos orifícios do acincho.

Mas o que recordo com mais saudade foi o dia em que, pela festa de Setembro, Purificação foi à quinta da minha avó bater os bolos. Quilos de massa num alguidar de esmalte, a exigir a mesma força que é precisa para cavar a terra pedregosa daquele chão avarento. E as mãos dela lá dentro, fortes, quadradas, cheias de sulcos negros. Nada mais limpo e mais puro. O negro da terra já fazia parte dela, não sairia nunca. Purificação transformava-se já em chão, arbusto, rochedo. O sangue de que tinha as mãos cheias era o mesmo que o que escorria das cabras quando as matavam, ou o que escorria dos pinheiros quando lhes golpeavam o tronco, ou o que me escorria pelas pernas, ou o que escorria pelas entranhas da serra e o povo bebia das fontes e das minas e matava a sede dos animais e fazia crescer as plantas.

Nesse Setembro, foi tudo diferente. Entendi a Purificação.

sinais de fumo

Pablo Neruda, o poeta que conheceu a Patagónia, escreveu sobre o "Tédio":

Ir levando no caminho os amores perdidos
e os sonhos idos
e os fatais sinais do olvido.

Ir seguindo na dúvida das horas apagadas,
pensando que todas as coisas se tornaram amargas
para alongarmos mais a via dolorosa.

E sempre, sempre, sempre recordar a fragrância
das horas que passam sem dúvidas e sem ânsias
e que deixamos longe na estéril errância.


Pablo Neruda, in Cadernos de Temuco

Thursday, January 20, 2011

As horas arrastam-se e não faz diferença se chove ou faz sol, ou o azul do rio parece irreal, lá no fundo, e as núvens por cima da serra brinquedos de criança. Daqui a pouco a luz escorrerá cada vez mais depressa da face escalavrada dos prédios, revelando a escuridão parda por baixo de tudo, conforme escorre de mim a memória luminosa dos teus dias, para revelar a minha solidão, sob uma lua cheia de cio num céu cheio de arestas.

Tuesday, January 18, 2011

Hoje é um dia feliz...

...porque o Zé vai viver para Paris!

Só para toi:

Monday, January 17, 2011

em tédio mode

Como transformar o tédio em dolce fare niente:

vela aromática;
lasanha pré-cozinhada;
tinto alentejano Reserva 2006;
mousse de ananás instantânea;
mini tostas com maionese e salmão fumado;
filme italiano em dvd;
gata massajadora com vibração ocasional.

Saturday, January 15, 2011

it had to be you...

Constelações


Contar estrelas pode fazer crescer cravos nos dedos, bolinhas de carne tão difíceis de arrancar depois, e para além disso, as estrelas fugidias, a gozar comigo: já me contaste, afinal não, agora mudei de sítio, sou uma estrela ou um avião a caminho de um sítio qualquer com gente dentro? Eu: vinte e sete, vinte e oito, vinte e nove. E elas: trinta e dois, cem, quinze, nebulosa. E eu perdida, a examinar os dedos onde não cresciam cravos, apesar de contarem estrelas. Continuo a olhar para elas, hoje que não sou criança, afinal sou, apenas mudei de sítio, não conto estrelas, mas conto sóis que se põem, pendurados nas núvens verdes que se estendem em socalcos até ao rio, e conto beijos que nascem dos teus lábios, espalhados pelo meu corpo, trinta e dois, cem, quinze, nebulosa, constelação. Uma Ursa Maior com a Polar na minha boca. Cravos a crescerem-me por dentro, vermelhos e brancos, não dos de carne, flores que custam tanto a arrancar e te ofereço no colo.

Thursday, January 13, 2011

eu achava que não iria falar neste assunto, mas...

...apetece-me perguntar: se em vez de ser um jovem modelo de 21 anos a assassinar barbaramente um homem consideravelmente mais velho e homossexual, com quem mantinha uma relação com o intuito de ter vantagens de carreira, fosse uma jovem mulher de 21 anos a assassinar barbaramente um homem consideravelmente mais velho e heterossexual, com quem mantinha uma relação com o intuito de ter vantagens de carreira, ela seria uma vítima ingénua com direito a defesa e a grupos de apoio, ou seria só mais uma puta oportunista, maquiavélica e assassina?

Tuesday, January 11, 2011

TPC

A minha prima Joana tem uma cadeira na faculdade que se chama "escrita criativa". E tem que fazer exercícios tão espetaculares que é difícil resistir à vontade de lhe fazer os trabalhos de casa. Como este, de criar uma história a partir de uma das personagens deste vídeo (que nem é dos meus preferidos, nem nada...)




Posso ir ao quadro?

Saturday, January 8, 2011

A minha casa tem duas janelas viradas a sul, com um mar de inverno por dentro que às vezes faz estremecer as vidraças e assusta. Quando o mar se acalma, e fica a sussurrar no rés-do-chão, senta-se às janelas um gato com os olhos rasgados de desejo de rua. Uma janela entreaberta seria o suficiente para o gato saltar e se perder nela.
Na minha casa não há relógios nem calendários. Cada segundo conta para o que não interessa, e é verão à noite, e amanhecem primaveras, e o outono deixa ouro coagulado no soalho, e é inverno no mar. Às vezes planto girassóis estridentes no jardim, outras aparecem, espontâneas, flores lilazes que levo à boca para me alimentar.
A minha casa existe mais quando estou longe. Porque quando estou perto ela é casa, é toca, é ninho, é colo. E eu deixo simplesmente de pensar.

Friday, January 7, 2011

às vezes,


em certas circunstâncias, sinto-me EPIFANOFÓBICA.

Saturday, January 1, 2011

revelhão

passar a meia noite com o auto-rádio aos berros, na beira de uma estrada qualquer em Mira, a caminho da Vagueira, com 2 copos roubados e uma garrafa de espumante quente a dizer "amo-te" no rótulo, só pode ser bom sinal! E, afinal...



ÓL AI UANA DU IZZ ÉVE SAM FAAANNN!!!