Tuesday, November 17, 2009

Paisagem

No final de uma viagem tão rica em paisagens de Outono que quase me obrigavam a parar (o nascer do sol é tão belo depois de tantos dias de chuva), fui obrigada a esperar cerca de 1h no átrio de um tribunal de província e senti-me metida num quadro que podia ser da Paula Rêgo, tal era a variedade de personagens maravilhosamente feias.
Havia velhos e velhas, muitas velhas, todas iguais como são as serranas, de cabelos curtos, oleosos, as mãos encardidas do trabalho de muitos anos, adornadas com a pulseira do reumático. Quase dá para lhes adivinhar toalhas de plástico a imitar renda holandesa em mesas redondas e não me surpreenderia se tivessem trazido cães de loiça pela trela. Via-se logo que ali estavam por causa do terreno de algum vizinho: são velhos como os caminhos, nasceram no tempo dos marcos de pedra e dos castanheiros pequenos. Nesses tempos, resolvia-se a querela com bengaladas ou uma foice na cabeça. Não havia paciência para esperas intermináveis que acabam em adiamentos.
Entre eles estava um homem alto, corpulento. Dizer que a barriga é proeminente é pouco: e sobre a barriga redonda, em azul e vermelho, um losango gigante em malha, cruzado a meio por duas linhas amarelas, a marcar o centro do alvo. E eu a olhar para ele a apetecer-me um arco e uma flecha para treino de pontaria.
Do lado oposto, dois adolescentes namorados, com cara de quem tem a idade dos caminhos e dos marcos de pedra e dos castanheiros. Ela é baixa mas espalhafatosamente gorda, usa calças dos bombeiros, com tiras reflectoras, e uma camisola comida da traça. Ele é um franguito com aspirações a grande motard, um James Dean dos montes, raquítico, o cabelo todo puxado para trás à força de gel, uma barbita rala e uma única sobrancelha sobre os olhos piscos. Ao lado senta-se uma figura metade mulher, metade porco: pergunto-me como terá conseguido meter uns pés tão gordos nuns sapatos tão pequenos.
Mas a personagem central é o Ilustre Colega, Ex.mo Sr. Dr. Forcado. Baixito, quase atarracado, estica quanto pode o pouco pescoço que tem, semi-cerra os olhos como se focasse a imagem do touro na outra ponta da arena. Barriga para dentro, peito para fora, ombros para trás, mãos na anca "Eh touro lindo!"
Ridículos, feios, pobres, genuínos. Reais.

Friday, November 13, 2009

Graciosa

Entrou na timidez de quem se habituou ao pé-ante-pé do medo de longos corredores. Trazia as pálpebras pintadas de azul, as unhas rosa e manchas negras nos braços. Que fez ao baton, dona Graciosa? Deixou-o talvez esborratado na chávena do café.
Sacode os cabelos, de vez em quando, imaginando caracóis ruivos de salão de cabeleireiro, os gestos de primeira bailarina no palco do consultório, e conta...
Apetece-me dar-lhe alguma coisa, dona Graciosa: um anel de brilhantes, uma coroa de rainha, um sonho qualquer. Dar-lhe talvez as minhas mãos. Tome, fique com elas, guarde-as no áspero aconchego das suas. E não seremos sozinhas.

Monday, November 9, 2009

Esclareça-me, tia

Estou enrolada numa manta a recuperar do trabalhão do fim de semana na Zara (mas toda a gente decidiu comprar roupa agora por alma de quem?!) e apanhei um programa da tarde onde um jovem beto cabeludo, de apelido estrangeiro, dizia à jovem esposa (possivelmente herdeira de montes no Alentejo) : "Partilhar o dia-a-dia consigo é um privilégio."
Ora, eu nasci e vivo nas Beiras e não faço ideia de como é que as coisas funcionam na Linha, mas na minha terra dois jovens recém casados tratam-se por tu. "Partilhar o dia-a-dia consigo é um privilégio" seria frase que eu usaria para dar graxa a um chefe e não para me dirigir a alguém com quem partilho o copo da escova de dentes.
A tia, que nunca se manifestou, mas que eu acredito que lê este blog, diga-me: na cama, este tipo de marido dirá "Querida, desculpe, importa-se que eu profira um palavrão?" ou "Pegue-me no croquete."?


Entretanto estou a lembrar-me de muitos outros trocadilhos do género... :D

Saturday, November 7, 2009

A felicidade vem da burrice?

Li num sítio qualquer que um estudo científico recente sugere que as pessoas com mau humor são mais inteligentes do que as outras. Parece-me que os senhores cientistas não têm 100% de razão: o que se passa é que as pessoas inteligentes são mais mal humoradas. E isto faz toda a diferença. As pessoas não são inteligentes por serem infelizes, são infelizes porque são inteligentes. Vergílio Ferreira disse-o várias vezes: "Ser-se inteligente é ser-se desgraçado."

Tuesday, November 3, 2009

Silogismo ligeiramente eufemístico


Só os pequenos traficantes vão dentro. Os pequenos traficantes só são pequenos porque são burros. Logo, o meu arguido não é propriamente inteligente...

Monday, November 2, 2009

Isto não é um post sobre o aniversário do blog

Este blog faz 3 anos. Parabéns a vocês.