Wednesday, February 4, 2009

Texto escrito às escuras numa destas noites

Faltou a luz, por causa do temporal. Ficou tudo mergulhado na escuridão. Escrever à luz da vela é uma experiência quase macabra, principalmente se o vento bate com a força de um oceano contra a muralha granítica da serra e reflui em ondas por entre as copas das árvores. Dos alicerces da minha casa surge o crânio perfurado a tiro do primeiro empreiteiro. Ouço-o chorar lá fora, sentado no muro do alpendre, abanando os pés sobre a sua obra eternamente inacabada.
Queria que a luz voltasse. Medo que a vela se apague e me deixe cega outra vez, a tactear o caminho no imenso tédio de quem não vê. O medo de bater contra os móveis da casa, que aproveitam o escuro para nos rasteirar, colocando-se nos sítios mais extraordinários. Quando a luz regressar, voltarão num ápice ao seu lugar, assobiando inocências, de olhos no tecto.

No comments: