Wednesday, April 6, 2011

Olga

Sempre fui assim, pequenina. Mas bonitinha, como ainda hoje sou bonita (modéstia à parte) porque faço por isso: vou ao cabeleireiro uma vez por semana, quando não estou no café, ponho umas madeixas diferentes no cabelo, ou um daqueles fiozinhos com pedrinhas brilhantes, a fazer lembrar gotas de água num fio de baba de aranha, ao sol. No meu cabelo abana cada vez que sacudo a cabeça e ninguém diz que tenho mais de cinquenta anos, que o cabelo disfarça as rugas do pescoço e os óculos de sol não deixam ver a idade dos meus olhos. E depois, um salto alto ajuda sempre uma mulher a não passar despercebida. Tenho até uma tatuagem no ombro, que é o símbolo do meu signo e toda a gente acha que é um V e um J, iniciais de um namorado qualquer. Podia perfeitamente ter trinta anos, e tenho mais garra que muitas miudas novas que para aí andam, como a Inês, aqui sentada à minha frente, com aquela palidez de morte na flacidez das bochechas (não entendo como tem uma cara tão gorda num corpo tão magro), todo o corpo dela mole, até a voz é mole, e as pálpebras devem pesar-lhe quilos sobre os olhos. Vai ter rugas num instante, deve ser por nunca rir e andar sempre vestida de preto, viúva de todos os homens que abandonaram a sua moleza precoce por outras mais viçosas. Odeia os homens com a mesma força com que eu os amei e necessita tanto deles como eu. De vez em quando um colega da faculdade manda-lhe uma mensagem a pedir apontamentos e ela toda alvoroçada _ o meu Nuno mandou uma mensagem! ou o meu Tiago, ou o meu Jorge Daniel. São todos dela, que não tem nenhum. E eu tive tantos, sem ser de ninguém. Estuda História, diz ela que é a ciência da memória. Eu nunca andei na faculdade, mas digo que ela devia era estudar o agora e não o ontem, e vestir umas cores mais bonitas. Assim, quando fosse comigo à Broadway às segundas-feiras, que é quando enche, não ficava de cigarro na mão, toda mole a um canto. Talvez algum preto a convidasse para dançar kizomba e ela pudesse ensinar ao Tozé, mesmo sem música, aqui na esplanada da "Caderneta", em vez de ficarem os dois a discutir coisas de reis mortos, quando a ela lhe puxa para ser professora e a ele se acaba o produto e decide matar a ressaca a cervejas.

No comments: