Tuesday, December 7, 2010

rua

Sou uma rua com chuva por dentro. Fria e cinzenta, de janelas fechadas e braços abertos a quem não vem. Amontoei pelas bermas folhas vermelhas de verões à sombra gentil de mãos dadas como ramos, varridas agora por um vento gelado que fechou as janelas e chamou a noite e impede a chuva de sair de mim. Não há flores nos vasos das janelas fechadas, olhos trémulos a escorrer olheiras. Um golpe de sol e talvez a gota rubra de uma sardinheira a aparecer junto a uma porta. Mas a primavera não chega nunca, por mais que a deseje e reze por ela prostrada abaixo do chão, e doem-me os passos de quem me atravessa a correr para chegar ao calor da casa. Que eu não fui feita para ser atravessada em pressas distraídas. Houvesse quem quisesse deter os passos em mim, bater às portas, abrir as janelas, encher-me de um sorriso, descobrir que o amanhecer me deixa púrpura, plantar flores nos vasos esventrando a terra húmida com as mãos. Descobriria talvez que fui feita para se viver dentro.

1 comment:

Anonymous said...

Muito bom**
Tininha