Monday, February 11, 2008

Desorientação


Sinto-me como se tivesse falhado todos os passos do plano que tracei para a minha vida e agora não sei que outra vida traçar. Vou fazendo rabiscos e esboços que não se parecem com nada, muito menos comigo, e acabo sempre por apagar os traços e ficar horas e horas a olhar para mim e para o meu futuro, a tentar decidir o que vou fazer com a pessoa que hei-de ser.
Se ao menos pudesse adiar as decisões que tenho que tomar, até ter mais certezas. Ou até encontrar alternativas...

5 comments:

M said...

Não podes/deves adiar a vida (nem o amor).
Mais vale uma má decisão que decisão nenhuma: não esperes!
***

marta said...

Tens razão medusasss! A vida é um compromisso diário inadiável e um desafio permanente às pessoas obsessivamente planificadoras como eu... :)

beijinhusssss

José said...

Permitam-me: Entre a escolha errada e a escolha alguma, várias são as incertezas; não sei se valerá a pena uma aposta que se sabe perdida e, em antítese, não percebo como será um ganho esse gasto. A opção é entre perder tempo ou desperdiçá-lo e creio que ambas as visões são desajustadas, utópicas e a roçar o estereótipo. Há compromissos inadiáveis, há também esperas que valem a pena e existem rasgos absurdos de ideias por realizar, inconstantes e desesperantes, torcidas e que nos torcem, que sabemos não serem prováveis, que senti-mos não termos coragem, e que teme-mos que nos levem para onde não queremos. Dúvidas do amanhã são sempre coisas saudáveis, emoções naturais da incerteza. Não nasce daí a justificação para fazer o que quisermos do momento, para jogar ao máximo todos os trunfos, ou até para apostarmos o que não temos e criar uma auto-estima disforme e obtusa mas suponho que está a ideia de que entre a racionalidade, o desejo, e a efemeridade das circunstâncias se deve criar um ponto ideal de equilíbrio. Suponho que a vida é credivelmente formada apenas quando somos velhos e o futuro é só tempo de espera. Até lá muitos erros são feitos, muitos ideais destruídos, muitas outras esperanças criadas. Tudo é perspectiva.

Anonymous said...

"Cheguei hoje, de repente, a uma sensação absurda e justa. Reparei, num relâmpago íntimo, que não sou ninguém. Ninguém, absolutamente ninguém. Quando brilhou o relâmpago, aquilo onde supus uma cidade era um plano deserto; e a luz sinistra que me mostrou a mim não revelou céu acima dele. Roubaram-me o poder ser antes que o mundo fosse. Se tive que reincarnar, reincarnei sem mim, sem Ter eu reincarnado. Sou os arredores de uma vila que não há, o comentário prolixo a um livro que se não escreveu. Não sou ninguém, ninguém. Não sei sentir, não sei pensar, não sei querer. Sou uma figura de romance por escrever, passando aérea, e desfeita sem ter sido, entre os sonhos de quem me não soube completar.
(...) Nunca pretendi ser senão um sonhador. A quem me falou de viver nunca prestei atenção. Pertenci sempre ao que não está onde estou e ao que nunca pude ser. Tudo o que não é meu, por baixo que seja, teve sempre poesia para mim. Nunca amei senão coisa nenhuma. Nunca desejei senão o que nem podia imaginar.
Há dias em que sobe em mim, como que da terra alheia à cabeça própria, um tédio, uma mágoa, uma angústia de viver que só me não parece insuportável porque de facto a suporto. É um estrangulamento da vida em mim mesmo, um desejo de ser outra pessoa em todos os poros, uma breve notícia do fim.
(...) O que tenho sobretudo é cansaço, e aquele desassossego que é gémeo do cansaço quando este não tem outra razão de ser senão o estar sendo. Tenho um receio íntimo dos gestos a esboçar, uma timidez intelectual das palavras a dizer. Tudo me parece antecipadamente fruste.
(...) Em todos os teus actos da vida real, desde o nascer até ao de morrer, tu não ages: és agido; tu não vives: és vivido apenas. Torna-te para os outros uma esfinge absurda. Fecha-te, mas sem bater com a porta, na tua torre de marfim. E a tua torre de marfim és tu próprio. E se alguém te disser que isto é falso e absurdo não o acredites. Mas não acredites também no que eu digo, porque não se deve acreditar em nada

Bernardo Soares, Livro do Desassossego

Tininha

marta said...

José, tens razão em muitas coisas. Muitas decisões são simplesmente erradas e claramente erradas. Mas muitas vezes são etapas que não podem deixar de ser vividas, sob pena de nos ser castrada a oportunidade de aprender algumas das lições mais valiosas da nossa vida. Principalmente quando essas decisões são irreversíveis. Nesse sentido, não podemos dizer que é tempo "perdido". Tal como um cego que se orienta na rua, na vida precisamos de bater primeiro nos obstáculos para depois nos desviarmos deles. Felizmente (e perdoem-me a analogia, que é um bocadinho insultuosa...) existem amigos que são autênticos cães-guia e que nos ajudam a não cair em buracos. :)

Tininha, muito inspirador esse excerto!Lindo!Estou também à espera de reincarnar em mim... E suspeito que não sou só eu.

Beijinhus