Friday, July 23, 2010

vértice



Voltei ao meu ninho, como sempre volto quando a vida me maltrata e me atira brutalmente contra as paredes dos fins de todas as coisas.

O teu silêncio de lágrimas a doer-me, está um dia seco de Verão, passo ao lado do cemitério e decido entrar. Ainda não tenho aqui ninguém. Mas é um aconchego a brancura do mármore, o sábio silêncio dos mortos, e aquela estátua negra da Morte, na atitude de uma mãe que se prepara para nos beijar a testa. Preferia talvez que a morte me beijasse na boca, mas isso são privilégios da Vida, que é cruel e oferece e arranca, beija e esfaqueia, sorri e insulta.

Mas como é bela, essa estátua da Morte, envolta num longo manto de musgo e verdete, a lembrar-nos a paz e a justificar tanta coisa com a trasitoriedade de tudo...

Alguns metros depois, todos os lugares da minha infância de verdade e joelhos esmurrados: as árvores a que subia, os muros em que me esqueci tantas tardes, à procura de respostas _ respondias-me, se tivesses estado lá, nessas noites aéreas de feno e calor? _ a minha casa agora ao abandono, ainda com as minhas roseiras brancas a florescer na sombra, e o meu quarto intacto, uma boneca nua e sem cabelo em cima do roupeiro, para lá da janela.

Tudo o que eu gostava que soubesses de mim e não hás-de saber nunca. Eu sempre um vértice solitário no final de duas rectas de distância.

1 comment:

Daniela said...

Um vértice é o ponto comum entre os lados consecutivos de uma figura geométrica, ou o ponto comum entre os dois lados de um ângulo, ou o encontro de duas semi-retas, ...portanto para mim és se és um vértice és um vértice de pirâmide... virada pro céu e mais além :) és grande martinha!